O desdobramento do conflito entre Israel e o Hamas dominou o cenário internacional nas últimas quatro semanas, relegando ao segundo plano a guerra da Ucrânia. A retaliação da coligação de forças de direita e de extrema direita, formada às pressas para sustentar o frágil governo Netanyahu, tem sido devastadora. Com o apoio incondicional dos Estados Unidos, cujo presidente visitou o país e ordenou o deslocamento para a região de dois de seus maiores porta-aviões, e do bloco de países ocidentais sob a hegemonia norte-americana, Israel transformou o território de Gaza num campo de extermínio a céu aberto. Parece ter aprendido às avessas a amarga experiência da Segunda Guerra Mundial.
Apesar dos esforços para encontrar atenuantes para a crise humanitária e uma solução negociada para o conflito, a ONU mais uma vez fracassou. Porém, a diplomacia brasileira teve um papel de destaque nesta busca. Sua proposta de resolução para cessar fogo teve 12 votos a favor, 1 contra e duas abstenções. Um feito memorável. O documento não foi aprovado porque o único voto contra foi dado pelos Estados Unidos, integrante permanente do Conselho de Segurança e com direito a veto. Resoluções apresentadas por outros países – Rússia e Estados Unidos – também foram rejeitadas. No dia 27 de outubro, a Assembleia Geral da ONU aprovou a resolução simbólica para trégua ao conflito apresentada pela Jordânia.
O presidente Lula se empenhou diretamente na busca de uma solução negociada para a paz. Falou diretamente com líderes políticos da região na tentativa de conseguir o cessar fogo, impedir a generalização do conflito e para repatriar cidadãos brasileiros vivendo em território israelense e em Gaza. As atrocidades cometidas pelas forças militares israelenses na retaliação desproporcional ao ato terrorista do Hamas abalaram o apoio recebido de diversos países, até mesmo de setores da comunidade judaica no exterior. O mortífero ataque ao hospital al-Ahli, o maior de Gaza, elevou a pressão sobre o governo Netanyahu acerca da proporcionalidade de sua retaliação. Pior ainda ficou a situação do presidente americano, Joe Biden, que empenhou todo o peso militar dos EUA na defesa de Israel ante a barbárie. No entanto, as forças israelenses avançam sobre Gaza com o objetivo de destruir o Hamas. Sob intenso bombardeio, a faixa de terra palestina densamente povoada está em ruínas e sua população, cercada por todos os lados e impedida de deixar o território, resiste como pode ao extermínio.
Segundo analista, “a causa profunda dos conflitos entre os dois lados é o pedido da Palestina de estabelecer um Estado independente até hoje não concretizado, uma injustiça histórica sofrida pelo povo palestino não corrigida. A eclosão de mais uma nova rodada de confrontos provou que a implementação da ‘solução de dois Estados’ é o único caminho para resolver a crise na região do Oriente Médio. Por esta razão, as Nações Unidas, os países árabes, a China, a Rússia, Brasil e a União Europeia apelaram tanto à Palestina como a Israel para que cessem fogo e regressem às negociações sobre a ‘solução de dois Estados’, em busca da coexistência pacífica.”
A Rússia aproveitou a oportunidade em que os olhos do mundo estavam em Gaza para reforçar suas posições no território ocupado a leste na Ucrânia, cujo governo está tendo dificuldade para explicar o fracasso da operação desencadeada na primavera para desalojar as forças invasoras. Segundo o general Oleksandr Sirskii, chefe das forças terrestres ucranianas, “a situação piorou significativamente” na região. O porta-voz do Conselho de Segurança Nacional americano, John Kirby, disse que os russos retomaram de vez a iniciativa na invasão iniciada em fevereiro de 2022.
Numa reviravolta e surpresa de última hora, o candidato peronista e atual ministro da Economia, Sergio Massa, saiu na frente no primeiro turno das eleições presidenciais na Argentina, revertendo o favoritismo de Javier Milei, o candidato da direita ultraliberal. De acordo com matéria publicada no Brasil247, são dois projetos políticos em disputa.
“A Unión por la Patria, formada essencialmente pelo peronismo e por grupos socialistas e movimentos sociais, está comprometida com o fortalecimento do Estado e a promoção de políticas públicas sociais; renegociar, mas acabar, a dependência do Fundo Monetário Internacional (FMI); assumir as bandeiras da justiça social; manter o trabalho de Memória, Verdade e Justiça promovido pelo kirchnerismo a partir de 2003 e promover a unidade da integração latino-americana (essencialmente em aliança com o Brasil de Lula da Silva), reforçando a visão estratégica de integração e desenvolvimento subcontinental e latino-americano.
Javier Milei, que recebeu o apoio do Vox (de extrema-direita na Espanha) e de Bolsonaro para sua campanha, anuncia o desmonte do Estado como programa de governo; a liberalização total da economia; a privatização de estatais; a dolarização do país, bem como o fortalecimento de alianças internacionais, apenas com os Estados Unidos e com Israel. Seu discurso negacionista pressupõe que não houve brutalidade ou genocídio por parte da ditadura militar argentina (1976-1983) e que se tratou apenas de ‘excessos de alguns militares individuais’. Levanta bandeiras xenófobas, homofóbicas, pró-imperialistas e subestima qualquer esforço de integração regional latino-americana.”
No plano nacional, as semanas de recuperação pós-operatória do presidente Lula geraram um clima de quase letargia no cenário político, não fossem os sobressaltos. A ação da milícia, ao incendiar mais de trinta ônibus na região oeste da cidade do Rio de Janeiro em retaliação à morte de um de seus chefes, evidenciou a falência do governo estadual e reacendeu o debate sobre a crise de segurança no país, chamuscando o desempenho do ministro da Justiça, Flávio Dino. O episódio reabriu a discussão sobre a criação do Ministério da Segurança e da atuação das forças armadas em áreas de conflito. Lula negou a possibilidade de colocar militares nas favelas para combater narco-milicianos. Dino disse que o governo vai ampliar operações de segurança de competência federal na cidade e no Estado do Rio de Janeiro, da mesma forma como reforçará as ações de segurança nas fronteiras do Paraná e Mato Grosso do Sul para coibir a entrada de drogas e armas ilegais no país. Medidas também estão sendo tomadas para impedir a lavagem de dinheiro do crime organizado.
Depois de meses de espera, deu-se novamente mais um episódio da política de “toma lá, dá cá”. Lula finalmente cedeu a CEF ao Centrão e a Câmara aprovou projetos prioritários do governo. O presidente Lula demitiu a presidente da Caixa Econômica Federal, Rita Serrano, na tarde do dia 25/10. Indicou para o posto o aliado do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e funcionário de carreira, Carlos Antônio Vieira Fernandes. No mesmo dia, a Câmara dos Deputados aprovou, por 323 votos a 119 e uma abstenção, o projeto sobre a taxação de offshores e de fundos exclusivos no Brasil –com poucos cotistas, os chamados “super-ricos”. Depois da análise de destaques, a proposta (PL 4.173/2023) seguiu para a análise do Senado. O governo está agora empenhado na votação da reforma tributária.
A cessão da CEF ao Centrão era um fato previsível, estava para acontecer. Mas o que não se esperava e acabou se tornando o fato político mais importante das últimas semanas foi a declaração de Lula de que dificilmente será atingida a meta de déficit zero em 2024. O recado atingiu diretamente Haddad, foi interpretado – e explorado pela mídia – como desprestígio e abalo nas relações cuidadosamente construídas para manter o equilíbrio fiscal e a confiança do mercado. O presidente confirmou a posição ao dizer, dias depois, que dinheiro bom é aquele que é investido em projetos que promovem o crescimento, numa clara alusão ao PAC e endosso à ala desenvolvimentista do governo e do PT. Trabalha-se com a meta de déficit fiscal de 0,5 ponto percentual para o próximo ano, medida que vai também ao encontro das expectativas políticas em relação às eleições municipais – obras podem alavancar candidaturas do PT e de partidos do campo aliado.
Embora continue desfrutando de resultados positivos na economia – crescimento da economia, previsão de continuidade da queda da inflação, novo corte de 0,5 pontos percentuais na taxa Selic, aumento da oferta de empregos (em geral de baixa qualificação e remuneração) – Lula começa a esboçar certa preocupação com os rumos da economia mundial e com as medidas para evitar que a crise atinja o país. Daí a opção por iniciativas que assegurem a retomada do crescimento. Desta vez, o processo passará pela maneira como o presidente administrará a tensão entre setores que defendem investimento e setores que postulam o equilíbrio fiscal. Caberá a ele a palavra final, como tem sido a regra.
Outros fatos deram o tom da ação do governo no período: encaminhamento ao Congresso Nacional do projeto de lei que busca revisar a estrutura do novo ensino médio; aprovação do texto do marco conceitual do documento que busca garantir os direitos ao cuidado a toda a população; veto parcial do projeto de marco temporal; a sanção do chamado Marco das Garantias, que facilita a execução de dívidas por bancos e permite que um mesmo imóvel seja usado como garantia em mais de um empréstimo.
A extrema direita, por sua vez, continuou fustigada pela adversidade. Bolsonaro foi novamente condenado pela justiça eleitoral por abuso de poder e uso eleitoreiro da celebração do 7 de setembro no ano passado, medida que também tornou inelegível seu companheiro de chapa, o general Braga Neto. Em delação premiada, o ex-ajudante de ordens, o tenente-coronel Mauro Cid, confessou que o ex-presidente teve participação direta na elaboração do roteiro do fracassado golpe em 8 de janeiro. Avançam os procedimentos jurídicos que podem levar à cassação do mandato de Sergio Moro. A PF investiga a possibilidade de a Abin (Agência Brasileira de Inteligência) ter usado ilegalmente, durante o governo Jair Bolsonaro (PL), um sistema secreto de monitoramento de celulares contra jornalistas, políticos e adversários do ex-presidente.