A quinzena terminou com o surpreendente ataque do Hamas a Israel na manhã de sábado (6/10). Considerada a mais abrangente e letal dos últimos cinquenta anos, comparável à guerra de Yom Kippur em 1973, a ofensiva mostrou falhas inimagináveis no sistema de inteligência e de segurança israelense. O território foi atacado simultaneamente por terra, ar e mar, com a captura de diversas cidades próximas à fronteira de Gaza e de mais de 100 reféns, além de centenas de mortes nos dois lados do conflito. Apesar da reação imediata do governo Netanyahu, cuja imagem foi seriamente arranhada, na manhã de domingo as forças invasoras continuavam travando batalhas acirradas pelo controle de novas cidades, apesar de já terem sido desalojadas de várias localidades tomadas no dia anterior.
A possibilidade de o grupo Hezbollah juntar-se ao conflito pode abrir uma nova frente de batalha no sul do Líbano, enquanto a maioria dos países árabes, exceto o Irã, se mantém em prudente distância, posição a ser conferida na reunião de emergência da Liga Árabe. A possibilidade de o conflito se generalizar preocupa. O governo Biden manifestou apoio incondicional a Israel e o Brasil convocou reunião do Conselho de Segurança da ONU. Embora seja cedo para avaliar o desfecho, a retaliação das forças israelenses tende a ser avassaladora, deixando a Faixa de Gaza em ruínas e voltando a ocupar a região.
No cenário internacional, o conflito entre palestinos e israelenses tende a colocar a guerra na Ucrânia em segundo plano, com a provável diminuição do apoio de países europeus e dos Estados Unidos, decepcionados com o fiasco da chamada “ofensiva da primavera” e com denúncias de corrupção no governo Zelensky. Outro fato que chamou a atenção da mídia foi o desdobramento da ofensiva militar do Azerbaijão, em 19 de setembro, para retomar o controle total da região separatista de Nagorno-Karabakh, exigindo a deposição das armas pelas tropas armênias e o desmantelamento do governo separatista. O desfecho do conflito poderá resultar no deslocamento compulsório de toda a população do território insurgente para a Armênia, uma “limpeza étnica” sem precedentes.
Enquanto o Chile apresenta a nova versão da sua Constituição, elaborada para se livrar o entulho autoritário da era Pinochet, na Argentina o candidato da extrema direita continua fazendo da campanha eleitoral um espetáculo, show midiático que mobiliza amplos setores desesperançados da população. Diante da crescente popularidade de Trump, apesar dos processos que enfrenta na Justiça, Biden descumpre a promessa de campanha e decide retomar a construção do muro na fronteira com o México. Completando o quadro pouco animador da política norte-americana, os deputados federais cassaram o mandato do presidente da Câmara, mais um episódio de uma democracia em crise.
No cenário nacional, o governo continua com índice de aprovação em alta e colhendo frutos na economia, cuja gestão vem recebendo elogios no exterior – Tony Blair afirmou que o sucesso econômico confere peso ao Brasil nas relações geopolíticas – e internamente, onde o maior elogio veio de Luiz Carlos Trabuco Cappi ao apontar que a balança comercial é a verdadeira fortaleza da economia brasileira. As exportações do agronegócio desbancaram concorrentes norte-americanos e passaram a preocupar o governo Biden.
A recente queda nos preços dos alimentos tem impulsionado a confiança dos consumidores de baixa renda, revela a pesquisa divulgada nesta segunda-feira (25/09) pelo Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas. A notícia atenua o impacto da leve alta dos preços registrada na prévia da inflação para setembro. A taxa acumulada no ano é de 3,74%. Em 12 meses, passou de 4,24% para 5% –patamar acima do teto da inflação. O desemprego, por sua vez, recuou. Houve uma queda de 0,5 ponto percentual (p.p) em relação ao trimestre anterior, de março a maio de 2023.
Ao cumprimentar Haddad, Lula endossou a linha da política econômica ao dizer que a economia não dará “um cavalo de pau”. O governo avança com programas estratégicos em direção a uma economia sustentável, mas ainda aguarda aprovação da primeira fase da reforma tributária no Congresso, imprescindível para a retomada do crescimento. Projetando uma sombra sobre o êxito do governo, porta-vozes do mercado começam a dizer que cortes nas despesas serão necessários para atingir as metas do marco fiscal para 2023. O impacto de fenômenos climáticos extremos – inundações no Sul e seca na região Norte – ainda está para ser avaliado, mas não deve ultrapassar o âmbito regional ou setorial.
Na política, a disputa continua acontecendo em diversas frentes, envolvendo a queda de braço do Centrão com o governo pelo controle do orçamento; a reação das forças de direita e de extrema direita, fustigadas pelos resultados da investigação e punição dos envolvidos na tentativa de golpe de 8 de janeiro e descontentes com a ação Supremo ao tornar inconstitucional o marco temporal, aprovar a contribuição sindical e ao iniciar o processo de descriminalização do aborto.
O Centrão, sob a batuta de Lira, já tem o controle de cerca de um terço do orçamento, através das emendas parlamentares. Há sérios questionamentos sobre o destino – ou desvio – de recursos públicos para financiar projetos nas bases eleitorais dos deputados, envolvendo denúncia de desvio de verbas, aplicação de recursos em iniciativas de caráter duvidoso. São procedimentos típicos do velho clientelismo, processo de compra de votos através “favores” aos eleitores.
A voracidade desses parlamentares, no entanto, parece não ter limites. O jornal O Estado de São Paulo criticou a ação do Centrão como chantagem e extorsão ao governo Lula, por condicionar a aprovação de projetos governamentais no Congresso à liberação de emendas. No entanto, parlamentares já articulam para o próximo ano a criação de um novo modelo de divisão dos bilhões de reais e discutem até a criação de mais um tipo de repasse: a emenda de liderança. A ideia é que os líderes de cada partido sejam responsáveis por essa fatia da verba. A cota, pelo desenho debatido no Congresso, seria proporcional ao tamanho da bancada partidária.
Outro foco de tensão entre poderes foi a atuação das forças de extrema direita no Congresso contra decisões do STF. A reação começou com a apresentação de projetos para reverter decisões – inconstitucionalidade do marco temporal, aprovação da contribuição sindical – e avançou para uma proposta mais ampla de limitação dos poderes do próprio Supremo, ressuscitando uma velha bandeira do bolsonarismo. A principal comissão do Senado votou a toque de caixa uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição) limitando os pedidos de vista e as decisões monocráticas nos tribunais superiores. O presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), voltou a defender a criação de mandato para os ministros. Outra PEC, que autorizaria o Congresso a derrubar decisões proferidas pelo Supremo, também voltou a tramitar no parlamento.
Ainda é cedo para avaliar o resultado efetivo dessas medidas. A questão do marco temporal passará pela sanção do presidente Lula e o projeto aprovado no Senado deverá sofrer vetos. Projetos limitando o poder do Supremo abrem um debate mais amplo sobre a relação de independência entre os poderes regulada pela Constituição e que está no cerne da democracia brasileira. No limite, o desafio é impedir que a direita e a extrema avancem na proposta de subordinar o poder judiciário ao poder legislativo, a exemplo do que vêm tentando os partidos de direita em Israel. Projetos relacionados a direitos civis, como a descriminalização do aborto, devem continuar mobilizando a reação de setores conservadores da sociedade. O senador Magno Malta (PL-ES) aproveitou a onda para apresentar a PEC 49/2023, propondo a proibição do aborto “desde a concepção”. O ministro Barroso, novo presidente do STF, manifestou-se aberto ao diálogo e afirmou que o tema do aborto não terá prioridade na agenda do órgão.
A aprovação da contribuição sindical pelo Supremo também provocou reações no parlamento, na mídia e nas entidades de representação patronal. A mídia fez o papel vergonhoso de sempre, de distorcer e desinformar, ao contrário do que se espera dos meios de comunicação numa democracia. No Senado, a Comissão de Assuntos Econômicos do Senado (CAE) aprovou na terça-feira (3/10) o Projeto de Lei (PL) 2.099/2023 que proíbe a cobrança obrigatória de contribuição sindical. O texto agora segue para votação na Comissão de Assuntos Sociais. O relator, senador Rogério Marinho (PL/RN) ressaltou em seu parecer que os sindicatos estão impedidos de recolher contribuição sem autorização prévia do empregado ou profissional liberal, sindicalizado ou não.
O projeto está sendo visto como tentativa de bloqueio ao sistema de custeio dos sindicatos, mais concretamente o fim da contribuição de toda categoria, sócios e não sócios. Seria um duro golpe no já combalido sindicalismo brasileiro, cuja arrecadação caiu drasticamente nos últimos anos como resultado da reforma trabalhista do governo Temer. Em 2017, quando entrou em vigor a reforma trabalhista, os sindicatos, as confederações, as federações e as centrais sindicais arrecadaram R$ 3,045 bilhões. O valor caiu para R$ 58,1 milhões em 2022.
A questão está no centro das discussões nacionais, envolvendo, além do Legislativo, o presidente Lula, o STF, o movimento sindical, os empresários e a mídia. Em reunião tripartite para discutir o projeto de valorização da negociação coletiva e atualização da organização sindical, parte dos representantes empresariais manifestaram-se contrários à contribuição sindical. Ouviram do Ministro do Trabalho, Luís Marinho, que as entidades patronais que hoje comandam o Sistema S podem ter que começar a dividir com os sindicatos a gestão e os recursos que recebem. Ou seja, o tema ainda está longe de ser resolvido.
Na quinzena que passou, outros fatos também impactaram o cenário político, como a greve nos trens, metrô e na Sabesp contra as privatizações do governo Tarcísio; a greve dos professores e alunos da USP e Unicamp por mais recursos e melhor qualidade do ensino; as eleições para os Conselhos Tutelares em que a direita saiu em larga vantagem; o lançamento da estratégia do MEC de escolas conectadas; a exclusão das forças armadas do processo de fiscalização das urnas eletrônicas; o recrudescimento da violência na Bahia, levantando o questionamento do sistema de segurança e do combate ao crime organizado.