No plano internacional, é preocupante a notícia de que a principal economia da União Europeia, a da Alemanha, entrou em recessão técnica, de acordo com dados divulgados pela agência federal de estatísticas Destatis. O PIB alemão contraiu 0,3% de janeiro a março deste ano em relação aos últimos 3 meses de 2022, tendo queda de 0,5% no 4º trimestre de 2022, conforme dados corrigidos de sazonalidade. O anúncio do acordo de Biden com o Congresso para elevar o teto de gastos e evitar o calote por parte do governo foi visto com alívio pelos norte-americanos e por aqueles que preocupavam com os impactos da insolvência na economia internacional. Como era esperado, Erdogan venceu o segundo turno das eleições presidenciais na Turquia.
Na guerra de narrativas, a Rússia anunciou ter conquistado o controle de Bakhmut, ao mesmo tempo em que recorre à velha ameaça de usar armas atômicas se a coligação de países ocidentais liderada pelos Estados Unidos continuar armando o exército ucraniano. Em conversa telefônica, Lula recusou o convite de Putin de participar do Fórum Econômico Internacional de São Petersburgo por considerar que sua presença contribuiria para reforçar a imagem de proximidade com um dos lados beligerantes. Na decisão, deve ter também pesado a necessidade de priorizar a arrumação no governo, abalado na semana que passou pelas tensões com o Congresso.
Na sexta-feira, o presidente organizou uma confraternização no Alvorada reunindo seu círculo mais próximo de ministros, líderes do governo e outros poucos convidados. Segundo matéria publicada pelo O Globo, “em meio aos reveses enfrentados pelo Executivo, especialmente nas áreas ambientais, os participantes do churrasco reconheceram as dificuldades na articulação política, (…) e tentaram minimizar os obstáculos, ressaltando a complexidade da montagem do governo e a energia exigida nesse processo.”
Os acontecimentos da semana chegaram a ser considerados a primeira crise política do governo de apenas cinco meses, depois de ter superado com êxito a tentativa de golpe no 8 de janeiro. Após terem aprovado com folga o novo marco fiscal, fundamental para o futuro da política econômica, os deputados dispararam petardos contra a política ambiental. Ao apreciarem a MP que trata da estrutura dos ministérios, retiraram atribuições do Meio Ambiente (competências sobre o CAR-Cadastro Ambiental Rural, a ANA-Agência Nacional de Águas e a gestão de resíduos sólidos e saneamento) e dos Povos Originários (demarcação de terras indígenas e administração da Funai) e as transferiram para outras pastas, esvaziando aquelas comandadas por Marina Silva e Sônia Guajajara.
Houve reação das ministras, consideradas no Brasil e no exterior símbolos da luta em defesa do meio ambiente. Perplexa com as declarações de Padilha de que as mudanças haviam sido negociadas com articuladores do Planalto, Marina chegou a dizer que os deputados estavam tentando impor ao governo eleito a agenda do governo derrotado. Sônia Guajajara foi mais longe, cobrou de Lula compromissos assumidos durante a campanha. A notícia correu o mundo, onde não faltaram questionamentos sobre o compromisso de Lula com a causa ambiental. Diante da fragilidade do governo frente ao congresso conservador, foi questionada sua capacidade de implementar a agenda em defesa do clima e do desenvolvimento sustentável. Foi um sério arranhão na imagem do estadista, reconhecido até aqui como liderança internacional em defesa do meio ambiente e da Amazônia.
A segunda iniciativa contra a política ambiental foi a aprovação pela Câmara dos Deputados da MP 1.150 de 2022. Por 364 votos a 66 contra e com duas abstenções, os deputados retomaram trechos do projeto sobre a Mata Atlântica que tinham sido rejeitados na votação no Senado, por favorecerem o desmatamento de área protegida, comprometendo nascentes de água. A medida segue para o executivo, onde deverá sofrer vetos.
Antecipando-se ao julgamento do STF (previsto para o início de junho), os mesmos congressistas aprovaram o regime de urgência para a votação do marco temporal, que regulariza terras indígenas em disputa com ruralistas. Com a urgência, a tramitação do projeto de lei (PL 490/2007,) é acelerada e a proposta ganha a prerrogativa de ser analisada diretamente em plenário, sem passar por comissões. A tese do marco temporal, defendida por ruralistas e contida no PL, determina que a demarcação de uma terra indígena só pode acontecer se for comprovado que os indígenas estavam sobre o espaço requerido em 5 de outubro de 1988, quando a Constituição foi promulgada. Existem cerca de 83 casos de terras indígenas em disputa com empresários rurais.
Os dados levantam inicialmente duas questões, a primeira sobre os interesses em jogo e o impacto das medidas na política ambiental; a segunda sobre a crise política envolvendo a relação do governo com o congresso e as tensões dentro do próprio governo quando se trata do meio ambiente.
Há um claro interesse dos ruralistas, grupo que comanda um poderoso bloco no Congresso, em aprovar em seus próprios termos o marco temporal, assim como em derrubar restrições ao desmatamento no bioma da Mata Atlântica. Eles comandam a disputa pelo controle do acesso e uso da água (prioridade à irrigação de plantações), daí o propósito de retirar a regulação desse processo da pasta comandada por Marina. Não impedir que esses interesses prevaleçam, significa “deixar passar a boiada”, com impactos perversos sobre o meio ambiente e risco de danos irreparáveis à imagem do governo.
A exploração do petróleo na Margem Equatorial do Amazonas é uma questão que divide o governo, opondo o MMA/Ibama à Petrobras. O projeto tem apoio do Ministro de Minas e Energia, de parlamentares da região, especialmente do Amapá, que veem na iniciativa a oportunidade para alavancar o desenvolvimento regional. São muitos interesses em jogo para o governo administrar, envolvendo o parecer técnico do Ibama que até agora barrou o empreendimento.
O que ficou mais evidente na semana que termina é a crescente fragilidade do governo na relação com o Congresso. Desta vez, os deputados ousaram se assenhorar de prerrogativas do executivo ao fazerem emendas na MP que estrutura os ministérios. A queda de braços deixou de ser apenas pelo controle do orçamento.
Lira acumulou poder ao ser reeleito presidente da Câmara com apoio do Planalto e com número inédito de votos. Teve papel fundamental, ao lado de Haddad, na expressiva aprovação do marco fiscal para, em seguida, deixar rolar as votações contrárias aos interesses do governo. Nesse “bate e sopra”, ficou claro: consegue maioria nas votações, apoiará todas que forem do interesse da casa (desde que as emendas sejam liberadas), da mesma forma como não pretende apoiar a revisão de reformas de governos anteriores ou projetos considerados “ideológicos.” O governo, por sua vez conta com a base relativamente pequena dos partidos de esquerda e com o apoio eventual e instável de partidos de centro-direita. Apesar terem sido contemplados com ministérios, comando e cargos nas estatais, esse bloco não se alinha ao comando do Planalto, preferindo seguir ora o comando de Lira, ora seus próprios interesses.
Cabe ao governo lidar com essa nova realidade. Trata-se de uma nova dinâmica do presidencialismo de coalisão na qual o executivo perde poder diante do poder crescente do legislativo. Trata-se também da movimentação das forças liberais e de direita visando as disputas eleitorais em 2024 e 2026. O quadro é agravado pela fragilidade de articulação política do Planalto que não conseguiu agilizar o andamento das MPs no Congresso, chegando à situação que emparedou o governo: diante do risco de a MP da reestruturação dos ministérios caducar em 1º de junho (e de voltar a estrutura do governo Bolsonaro), Lula está sendo levado a ceder os anéis para não perder os dedos.
O freio de arrumação iniciado nesta semana – “o jogo começa agora”, segundo o presidente – é mais do que necessário. Há muito em jogo para o governo que acumulou resultados importantes nos primeiros cinco meses e que tem desafios enormes pela frente, seja em relação à implementação do projeto vitorioso nas eleições como trunfo para se manter no poder, seja em relação ao papel do Brasil no plano internacional em defesa da paz, do meio ambiente, da articulação dos países do Sul Global e da maior integração dos países da América do Sul.