Nas últimas semanas, a atuação do governo no cenário internacional foi marcada pelas viagens do presidente Lula à China e Emirados Árabes, e mais recentemente a Portugal e Espanha. As viagens contribuíram para romper o isolamento deixado pelo governo anterior, para recolocar o Brasil de volta como global player e para novamente situar o presidente Lula como uma voz influente na questão do clima, na cooperação internacional entre países em desenvolvimento e como líder internacional em prol da paz, além de trazer na bagagem projetos significativos de cooperação e de investimento estrangeiro no país.
A viagem à China, que teve que ser adiada por alguns dias em virtude da doença do presidente, teve enorme repercussão. Coincidiu com a posse da ex-presidente Dilma como presidente do MDB, banco dos Brics para cooperação internacional. A cerimônia serviu de palco para uma das mais emblemáticas falas de Lula sobre a importância de investir no desenvolvimento de países pobres, em bases diferentes daquelas utilizadas pelo FMI e o Bird. Foi um incisivo questionamento da atuação das agências multilaterais de desenvolvimento.
Lula também questionou o dólar como padrão para as transações comerciais, defendendo a ideia de troca em moedas locais. Isso irritou profundamente os Estados Unidos. O fato de o Brasil ter relações com a potência norte-americana, de ter sua vitória eleitoral prontamente reconhecida pelo governo Biden, de terem estabelecido relações de cooperação na área ambiental, tudo isso não significa que o governo Lula tenha que se alinhar ao comando dos Estados Unidos.
Essa questão ficou mais clara, e mais tensa, quando Lula questionou o papel dos Estados Unidos e da Europa na guerra da Ucrânia. Chegou a dizer que em vez de alimentar o conflito com armas, deveriam buscar a paz. O incômodo ficou ainda maior com as declarações de uma simetria entre Rússia e Ucrânia na origem do conflito, por não estarem em sintonia com a posição tradicional do Brasil em relação à defesa da soberania das nações e da integridade de seu território, posição reafirmada pelo voto do Brasil na Assembleia Geral da ONU condenando a invasão russa.
A visita do chanceler russo ao governo brasileiro e sua declaração de que os dois países tinham posições similares em relação à guerra na Ucrânia aumentaram as críticas. Passado o tempo para baixar a poeira, houve um acerto nas relações diplomáticas que haviam ficado retesadas. Lula recuou nas suas declarações e condenou (não coma veemência que gostariam) a invasão russa. Continuou defendendo a paz. O governo Biden abaixou o tom da crítica e sinalizou com uma doação mais generosa para o Fundo do Amazonas.
A distensão preparou o terreno para a viagem a Portugal e à Espanha, onde novos acordos de cooperação foram assinados e reforçados os laços históricos com esses países. A viagem à Espanha também serviu identificar pontos para eventual revisão do acordo UE-Mercosul, cuja versão atual é prejudicial à indústria brasileira.
Em síntese, o Brasil está de volta também no cenário internacional e Lula voltou a ser uma voz expressiva em defesa da paz, dos interesses dos países pobres e em desenvolvimento, particularmente mas não só no âmbito das relações do chamado Sul Global. Gostem ou não. Trouxe na bagagem projetos de investimento que no médio e longo prazo ajudarão a alavancar a retomada do crescimento.
NACIONAL
No cenário político, tivemos várias questões em destaque para o governo que registrou, há pouco, os primeiros cem dias. A avaliação feita pelo próprio presidente foi bastante positiva. Foram destacados o processo de transição, quando Lula assumiu de fato o governo abandonado por Bolsonaro; apresentação a PEC da Transição com recursos para bancar no novo Bolsa Família e outros programas socais; a reestruturação dos ministérios e medidas pontuais em relação às prioridades definidas durante o processo de transição. As ações de maior impacto foram a expulsão dos invasores das terras dos Yanomami (garimpeiros) e o impedimento do golpe em 8 de janeiro.
A tentativa de golpe no 8 de janeiro tem um roteiro conhecemos de sobra. O governo fez do limão uma limonada. Os vândalos e golpistas foram presos, indiciados e estão sendo julgados. Houve intervenção no governo do DF, afastamento temporário do governador e prisão do secretário de segurança, responsável pela segurança da capital federal. A apuração dos fatos tem levado à busca dos financiadores e articuladores do golpe.
Lula assumiu o comando, de fato, das Forças Armadas, e demitiu o comandante do Exército. Fatos recentes mostraram a ação duvidosa dos responsáveis pelo GSI no episódio, provocando a queda do general Gonçalves Dias que estava no comando do gabinete. A crise levou ao aprofundamento da “desbolsonarização” e reestruturação do GSI com a demissão de mais de 30 militares ali alojados.
A crise também acelerou a aprovação da CPIM para investigar o 8 de janeiro, iniciativa da oposição que pretende aproveitar o espaço para inverter a narrativa e acusar o governo de responsável pelo episódio. Essa versão já alimenta as redes sociais bolsonaristas. Ao mesmo tempo, a CPIM pode dificultar o encaminhamento de medidas consideradas estratégicas e prioritárias do governo, como a aprovação da nova regra fiscal, elaborada pela Fazenda/Haddad e já encaminhada ao congresso.
No Congresso, o governo conta com sua própria base e com o apoio de parte do Centrão sob controle de Lira. A maioria para aprovar projetos, e para conduzir a CPMI, está sendo construída à custa da velha política de concessões.
Na economia, enfrenta-se uma situação de baixo crescimento, de inflação e desemprego altos, de endividamento de empresas e de setores expressivos da população, submetidos a uma taxa escorchante de juros, mantida pelo Banco Central. O presidente Lula criticou abertamente a política errática do BC, que mantém meta inexequível de inflação e a mais alta taxa de juros do mundo. Teve o apoio da maioria da população. No entanto, o BC se mantém insensível e não dá mostras de alterar, no curto prazo, a política monetária, mesmo depois de o governo ter apresentado o projeto de novo arcabouço fiscal e de ter se comprometido de apresentar, ainda este ano, o projeto para mudar a política tributária.
A comemoração do “Abril vermelho” por parte do MST com várias ocupações de terras foi criticada por ministros do governo e chegou a irritar o próprio presidente Lula. Desencadeou a reação do agronegócio e do bloco ruralista no congresso, que recebeu amplo apoio da grande mídia. Não faltaram editoriais e artigos apontando o dedo contra o governo: “esse é o movimento cujo representante fez parte da delegação presidencial na viagem à China”.
Notícia boa foi a votação a favor da cobrança da contribuição negocial por parte dos membros do Supremo. Temos a expectativa de que a decisão final será favorável aos sindicatos, reforçando a tese de que a decisão autônoma dos trabalhadores em assembleia durante a campanha salarial e a negociação coletiva são as alternativas que temos para fortalecer a organização sindical.