As três primeiras semanas de maio foram agitadas no cenário internacional. A guerra da Ucrânia continuou sendo destaque. Enquanto russos e ucranianos disputam palmo a palmo da área de Bakhmut e se preparara uma grande ofensiva das tropas ucranianas, fortemente apoiadas pela coalisão de países ocidentais liderada pelos Estados Unidos, nenhum avanço se deu nas iniciativas voltadas para a paz. Não existe a possibilidade de negociar paz quando as partes diretamente envolvidas apostam na guerra e na vitória militar de uma sobre a outra.
Esse foi o recado dado a Celso Amorim na viagem a Kiev. “Enfatizei que o único plano capaz de parar a agressão russa na Ucrânia é a fórmula de paz ucraniana”, disse Zelensky em publicação no Twitter, em resposta ao plano de paz brasileiro que envolve a cessação imediata das hostilidades e a criação de um grupo de países neutros dispostos a mediar as conversações.
O tema ocupou o centro das atenções do G7 reunido em Hiroshima, Japão, lugar simbólico da paz, depois da dolorosa experiência de a cidade ter sido devastada no final da Segunda Guerra Mundial pelo bombardeio atômico norte-americano. Líderes do seleto grupo que já foram as principais potências econômicas do mundo (a rigor China e Índia não fazem parte do grupo apesar de ocuparem o posto de primeira e sétima economias mundiais) fizeram do G7 um espaço para condenar a ameaça representada pela China e para reafirmar a estratégia de combate à Rússia, apostando na derrota de Putin.
O Brasil, que ocupa o nono posto no ranking, à frente do Canadá, foi convidado para a reunião, assim como a Índia, onde não faltaram pressões para que os dois representantes do Sul Global se alinhassem à estratégia dos Estados Unidos que lideram o bloco de economias centrais do capitalismo internacional na ofensiva contra a Rússia. A questão do clima teve destaque na agenda e Lula aproveitou a oportunidade para recolocar a Amazônia no centro do debate, para cobrar o cumprimento de acordos internacionais e para criar uma agenda em defesa de florestas tropicais envolvendo países da região Amazônica, países centrais da África e a Indonésia, assim como para demandar a reestruturação do Conselho de Segurança da ONU.
Zelensky chegou de surpresa o evento, roubou a cena, criou a expectativa de um encontro com Lula que acabou não acontecendo. As declarações de Lula em relação à inviabilidade atual da negociação da paz na Ucrânia foram duramente criticadas pelos norte-americanos, e endossada pela mídia subalterna brasileira, questionando a isenção do presidente brasileiro em relação à Rússia e a falta de uma proposta concreta para paz, além do alegado discurso confuso sobre o tema.
Outras questões envolvendo os países europeus foram destaque no período, como a projeção de baixo crescimento para os dois próximos anos e a inflação alta; eleições na Grécia com manutenção das forças de centro-direita no poder; inundações devastadoras no norte da Itália. Depois de um primeiro turno concorrido, Erdogan tende a fazer aliança com a terceira via turca (nacionalistas de linha dura) em busca de uma vitória no segundo turno das eleições na Turquia.
Eleições também ocorreram na Tailândia, com vitória do candidato da oposição, abrindo a perspectiva de uma reviravolta no jogo político dominado pelos militares. Após três semanas de combates no Sudão, que já provocaram 700 mortos, 5.000 feridos, mais de 300 mil deslocados e mais de 100 mil refugiados, finalmente os governos de Washington e Riad se colocaram como mediadores do conflito entre militares e milícianos.
Os ventos que sopram na América do Sul não têm sido favoráveis para as forças de esquerda. A crise econômica na Argentina torna-se cada vez mais grave, com a inflação batendo 102% e a pobreza atingindo cerca de 40% da população, cenário preocupante num ano eleitoral. No Chile, o presidente Boric amargou expressiva derrota na eleição dos representantes encarregados de elaborar a nova Constituição. No Paraguai, o partido Colorado manteve-se no poder ganhando as últimas eleições presidenciais. O presidente do Equador, o decrépito Guilhermo Lasso, recorreu ao golpe (a chamada “morte cruzada” prevista na Constituição) para escapar do impeachment, dissolveu o parlamento e convocou novas eleições. Até o novo pleito, governará por decreto. O arco de alianças com forças políticas da esquerda ao centro que elegeu o presidente da Colômbia praticamente se rompeu, abrindo um período mais adverso para o governo de Gustavo Petro. Na Bolívia, o projeto de Evo Morales de voltar ao poder choca-se com os interesses do atual mandatário, Luis Arce, colocando em risco a unidade da esquerda.
Passada a lua de mel com a sociedade, o governo Lula sofre os primeiros reveses no Parlamento e passa a ser alvo crítica da grande mídia. Num alinhamento subalterno aos interesses dos Estados Unidos, setores da mídia contestam Lula pelas declarações durante a viagem à China em relação ao dólar como moeda de troca nas transações internacionais e principalmente em relação à guerra na Ucrânia. O objetivo parece claro: desqualificar o presidente como liderança emergente do Sul Global, projeção que fortalece sua posição internamente e, por desdobramento, enfraquecê-lo no cenário nacional.
Mas as críticas não param aí. A derrota no Parlamento na tentativa de revisão do marco de regulação do saneamento e o propósito de questionar o processo de privatização da Eletrobras, uma ação criminosa contra os interesses nacionais, serviram de mote para se levantar a insegurança jurídica provocada pela eventual revisão de medidas e reformas dos governos anteriores, para questionar a tendência estatizante do governo e sua falta de habilidade para negociar com o congresso. A crítica chegou a dar lugar a ameaças veladas, como no editorial do Globo, de que Lula pode “levar um golpe” (impeachment). Na mídia alternativa foi levantada a hipótese de não ser mais o bolsonarismo (ou a extrema direita) a principal força de oposição ao governo, mas a rearticulação de setores da direita liberal, entre eles parte significativa do empresariado, em busca de alternativa para 2026.
O governo vem enfrentando, de fato, problemas na relação com o Congresso. Em parte, devido aos desencontros entre responsáveis pela busca da governabilidade (Rui Costa x Padilha). Fundamentalmente, pela composição e dinâmica da base de apoio parlamentar, alimentada pela lógica das emendas parlamentares (versão atual do velho toma lá, dá cá). Lira detém o poder, de fato, no parlamento e o usa, ora para atender ao governo, como na aprovação do regime de urgência de votação do arcabouço fiscal, ora para ameaçá-lo ou para derrotá-lo. Essa situação levou Lula a afirmar que a governabilidade deverá ser testada a cada votação. Lira disputa com Lula, a cada votação, o controle do orçamento.
É notória a ineficácia da política de comunicação do governo. Há tensões internas, ainda não resolvidas, como a que opõe o ministério do Meio Ambiente aos interesses da Petrobras de exploração do petróleo na foz do rio Amazonas. E existe uma enorme expectativa pela aprovação do novo marco regulatório da política fiscal, trunfo que o governo pretende usar na contenda com o Banco Central para mudar a política monetária.
Nesse cenário, são vistas com bons olhos as iniciativas do judiciário e da PF para investigar, julgar e punir exemplarmente os responsáveis pela tentativa de golpe no 8 de janeiro, e para apertar o cerco contra Bolsonaro e cúmplices em ações escusas, cujos detalhes estão vindo à tona, para espanto da nação.