Semanas de 1 a 15 de junho de 2024T
“A direita saiu como a grande vitoriosa das eleições para o Parlamento Europeu, finalizadas no domingo (9.). … Com a nova composição, os deputados de direita e centro-direita serão 395 do total de 720, domínio de 54,9%.” O resultado geral teve grande repercussão internacional, confirmando uma tendência, com impacto diferenciado nos países membros da comunidade europeia onde a extrema direita teve desempenho desigual, com crescimento maior na França e na Alemanha.
Derrotado pelo partido da rival Maria Le Pen, Macron dissolveu a Assembleia Nacional e convocou novas eleições. A manobra é arriscada, mas a estratégia do presidente francês é comprometer a oposição com os desafios do governo, livrando-o da condição de vidraça, situação que influenciará as eleições presidenciais. Na Alemanha a extrema-direita representada pela AfD (Aliança pela Alemanha), teve um crescimento surpreendente no antigo lado oriental do país, especialmente entre os jovens. O partido Verde foi o principal derrotado. Na Bélgica, o primeiro-ministro renunciou. Meloni foi a grande vencedora na Itália, onde a direita continua dividida.
A atenção se volta para as eleições presidenciais nos Estados Unidos, em novembro, com a possibilidade de Trump vencer e governar o país a partir da prisão. O crescimento da direita no plano internacional revigora o bolsonarismo que aposta no desgaste do governo Lula e no bom desempenho de seus candidatos nas eleições municipais para virar o jogo em 2026.
O fortalecimento da direita como tendência, especialmente o crescimento surpreendente da extrema-direita, são mais do que um alerta. Devem ser compreendidos numa perspectiva mais ampla. Para analistas, a origem desse processo remonta à crise do sistema capitalista entre 2005 e 2009 (crise de superprodução de capital), com características mais profundas do que as crises cíclicas. Como desdobramento, “pariu o ultraliberalismo”, ideário político para legitimar o novo padrão de acumulação do capital, lastreado na intensificação da exploração do trabalho assegurada pelas inovações tecnológicas (IA/algoritmos, 5G, sistemas digitais, entre outras).
Para assegurar esse modelo perverso de desenvolvimento, de enorme concentração de riqueza e de aumento exponencial das desigualdades, forja-se como alternativa uma via política autoritária, que solapa a democracia e redefine o papel do Estado. “O mundo se tornou significativamente pior, a democracia representativa se esgota de forma rápida, a combinação de desilusão com a nenhuma alternativa gestada, leva à dispersão geral. Os grupos autônomos surgidos nestes últimos anos não compreenderam os caminhos desta nova ordem Estatal, que busca esconder a ação do Estado com o ultraliberalismo, quase um semi-Estado, mas na verdade é um Estado muito mais forte, de exceção, sem democracia, povo e representação.”
Diante dos horrores cometidos por Israel em Gaza, a coligação de países hegemonizada pelos Estados Unidos decidiu intervir mais decisivamente na busca do cessar-fogo e de uma perspectiva de paz na região, com base na reconstrução do território arrasado pelas forças israelenses. A proposta foi aprovada no Conselho de Segurança da ONU. O plano prevê três fases de implementação: um cessar-fogo de seis semanas e a retirada das forças israelenses de áreas povoadas do território palestino; o fim dos combates e a troca de reféns israelenses por prisioneiros palestinos, além da libertação de mulheres e crianças; a libertação de todos os reféns em Gaza.
O governo israelense aprovou a proposta. Aguarda-se a posição formal do Hamas que, junto com a Jihad Islâmica, afirmaram priorizar “os interesses do povo palestino, a necessidade da interrupção completa ao conflito em Gaza e a retirada das Forças de Defesa de Israel do território da Faixa de Gaza”, segundo matéria postada no Telegram.
Antecipando-se à cúpula para discutir a paz na Ucrânia, realizada na Suíça nos dias 14 e 15, Putin apresentou uma proposta para o fim da intervenção militar no país vizinho: retirada das tropas ucranianas das regiões de Donetsk, Lugansk, Kherson e Zaporozhye, anexadas pela Rússia durante a guerra; recusa dos planos da Ucrânia de entrar na Otan. Moscou adotaria “imediatamente um cessar-fogo” e iniciaria negociações sobre a guerra. Kiev, no entanto, rejeitou a proposta.
Os conflitos em Gaza e na Ucrânia também foram destaque na reunião do G7 realizada em Roma na última semana. O presidente Lula e o Papa Francisco participaram do evento que discutiu ainda a crise climática, migração e inteligência artificial. A reunião aconteceu no momento em que agências internacionais preveem que o Brasil ultrapassará a Itália em 2024, tornando-se a oitava economia do mundo.
As últimas duas semanas foram um duro teste para o governo Lula, atacado simultaneamente em diferentes fronts. No Congresso, a extrema direita busca impor e acelerar a agenda retrógada dos costumes, que desta vez assumiu conotação desumana, ao penalizar mais a vítima do estupro do que o próprio estuprador, se o recurso ao aborto for feito depois da vigésima segunda semana de gestação. Se aprovada, a legislação brasileira seria similar à de países obscurantistas como o Afeganistão. No entanto, houve reação da sociedade com manifestação de repúdio na mídia, nas redes sociais e nas ruas.
A sanha conservadora não para por aí. A direita e a extrema-direita impuseram recentemente derrotas ao governo ao desaprovar o projeto que previa a “saidinha” periódica de presos e ao considerar crime o porte de qualquer quantia de droga, equiparando o consumidor ao traficante.
Para pressionar o governo, recorre-se ao regime de urgência para acelerar o trâmite de propostas como a do fim da delação premiada, que poderá ter efeito nefasto sobre o processo em curso de apuração de crimes cometidos por Bolsonaro, levando-o quase que seguramente à prisão. No limite, a extrema-direita arquiteta a anistia ao ex-presidente, não importam os crimes que tenha cometido.
Lira, em fase final de mandato como presidente da Câmara dos Deputados, concentra poderes para fazer o sucessor e continua chantageando o governo. Usa o regime de urgência – já chegam a ser 72 casos – para esvaziar o debate nas comissões temáticas e fazer votações simbólicas, em que os parlamentares não mostram a cara, especialmente em questões polêmicas, para evitar o desgaste eleitoral. Reforça o uso de emendas parlamentares para concentrar ainda mais poder e promover o “neocoronelismo” na Câmara dos Deputados e nas bases parlamentares transformadas em “currais eleitorais”. Preparam o terreno e “cevam” o eleitorado com vistas às eleições municipais no segundo semestre.
O golpe mais duro, no entanto, veio do Senado, com Pacheco devolvendo parte da MP 1.127/2024, que altera regras de compensação de PIS/Cofins, sob a alegação de que os trechos são “inconstitucionais”. Com a devolução, os artigos perderam a validade imediatamente.
O que se viu, na sequência, foi um conjunto de ações visando fragilizar o ministro da economia e desestabilizar o governo Lula. “A turma da Faria Lima, sem qualquer constrangimento, aderindo às fake-news, espalhou toda espécie de cizânia, visando a desestabilização do governo federal. Foi o que vimos durante esta semana, com os fuxicos recentes de que Rui Costa teria pedido a cabeça de Haddad, ou ainda que o próximo Ministro da Fazenda seria indicado por Mercadante.”
Jantares foram realizados para tramar os próximos passos para assegurar a volta ao poder e a manutenção do ganho fácil, com recursos públicos. “Nas festas de Babete tupiniquim, foram servidos na bandeja aos banqueiros e homens do mercado financeiro, o candidato à sucessão de Lula, o atual governador paulista e, como seu homem na Fazenda, o atual presidente do Banco Central ‘independente’, Roberto Campos Neto. Entre goles e garfadas, a ‘turma do poder’, teceu planos e estratégias para devorar o país, no costumeiro apetite predatório que lhes é peculiar.”
A ofensiva contra o governo não foi feita apenas pelo capital financeiro. Fazendo coro e pressionando para não pagar impostos estão também os setores industriais que impediram o fim da desoneração, os setores do agronegócio que se viram prejudicados com a importação do arroz. A eles se juntaram os pesos pesados da mídia corporativa, ressaltando a fraqueza do governo, os atropelos de Haddad, o fracasso da política fiscal e a disparada do dólar. Em vez de buscar elevar a receita cobrando sonegadores e acabando com isenções fiscais, o governo deveria cortar gastos, seguindo o receituário neoliberal: desvinculação das aposentadorias da política de valorização do salário mínimo, revisão dos pisos da saúde e da educação, reforma administrativa, nova reforma da previdência.
Em outras palavras “pressão de todos os lados com a cobrança de rigor fiscal apertado, mas abrir mão da desoneração, jamais! Farinha pouca, meu pirão primeiro!” E o recado de um importante representante do mercado, ao comentar a relação com Haddad: “um cadarço esgarçado que não entra mais no sapato” A lua de mel com o ministro teria acabado.
Lula reagiu, apoiando Haddad e afirmando que não aceitará medidas fiscais que prejudiquem os mais pobres. “”Eu quero antecipar: a gente não vai fazer ajuste em cima dos pobres”, afirmou em entrevista no encerramento da reunião do G7.