Semanas de 1º a 25 de dezembro/2023
Os principais destaques para o país no plano internacional foram a participação na COP28, realizada em Dubai, o fato de o Brasil ter assumido a presidência do G20, a visita de Lula à Alemanha, a posse do novo presidente da Argentina e a mediação no conflito envolvendo a Venezuela e a Guiana.
A ministra Marina Silva, reconhecida como uma das mulheres mais influentes de 2023 pelo jornal britânico Financial Times, cobrou na COP28 políticas efetivas em relação à crise climática, além de ter exposto programas na área ambiental onde o governo vem acumulando êxitos. Pressionado por representantes da sociedade civil brasileira presentes ao evento, o governo Lula também foi questionado em relação à exploração do petróleo na Amazônia e ao ingresso no OPEP, decisões que aparentemente vão na contramão da urgência do fim do uso de combustíveis fósseis, posição majoritariamente defendida nos fóruns internacionais.
A conferência, não por acaso realizada numa das maiores regiões de exploração petrolífera do mundo, teve como principal polêmica o fim do uso de combustíveis fósseis versus sua redução gradual. O documento final, redigido sob forte pressão das empresas, opta pela redução gradual desta fonte de energia, sem definir claramente o papel dos países desenvolvidos, maiores responsáveis pelo aquecimento global, no financiamento da transição para novo padrão energético nos países menos desenvolvidos. Sinaliza que a era do petróleo pode estar se encaminhando para o fim, embora os termos escolhidos sejam menos contundentes do que o necessário, diante da urgência colocada pelo tema.
Lula retomou a questão depois de se encontrar com o chanceler alemão em Berlim. “[A Alemanha] precisa se voltar para o Brasil. Sobretudo neste momento em que o Brasil está trabalhando a questão de energia limpa, de renovação, transição energética, Amazônia, biodiversidade. O Brasil é a bola da vez, é só investir”, declarou a jornalistas.
O comando do G20 abre novas oportunidades para mostrar que “o Brasil está de volta” e pode exercer um papel, para além da retórica, como expoente do Sul Global no jogo internacional. Ainda não está claro se Lula optará por uma agenda tradicionalmente econômica, ou se nela incluirá temas de caráter mais político como a defesa da paz, o combate às desigualdades e a promoção do trabalho decente. Será necessário construir programas, articular alianças, angariar recursos para que essas questões deixem de ser apenas palavras de ordem.
A mediação, com resultados positivos, no conflito envolvendo a Venezuela e a Guiana mostrou que a diplomacia brasileira continua tendo relevância na região. A disputa, que colocou entre campos opostos Maduro e Irfaan Ali, poderia desandar em enfrentamento bélico, com a possibilidade de envolver potências como os Estados Unidos, defendendo os interesses da ExxonMobil, e Rússia tradicional aliada da Venezuela e principal fornecedora ao melhor equipado exército da América do Sul.
A tensão remonta ao passado distante do século XIX e ao não reconhecimento por parte do governo venezuelano dos marcos fronteiriços entre os dois países definidos por tribunal internacional. Foi mantida no esquecimento e reacendida recentemente por Maduro ao realizar um plebiscito sobre a anexação de Essequibo, que representa 70% do território da Guiana, e a exploração e suas riquezas minerais por empresas venezuelanas. O governo de Caracas chegou a indicar um general para assumir o controle administrativo da região.
Embora tenha sido interpretada como manobra diversionista de Maduro, tendo em vista as eleições presidenciais de 2024, há muita coisa em jogo neste conflito de interesses. A Guiana tem experimentado nos últimos anos um crescimento excepcional, puxado pela exploração do petróleo. A ExxonMobil teve um lucro de US$ 55,7 bilhões em 2022 com as atividades na Guiana, tornando-a uma das empresas de petróleo mais ricas e poderosas do planeta. Possui tentáculos ao redor do mundo, exerce enorme poder sobre a economia mundial, especialmente sobre países que têm reservas de petróleo. É considerada por especialistas um “estado corporativo dentro do estado americano”. Foi expulsa da Venezuela no governo Chaves, descobriu no país vizinho reservas de petróleo de qualidade superior ao extraído em solo venezuelano e em quantidade antes inimaginável. Negociou um acordo extremamente favorável com o governo da Guiana para explorar essas reservas e obviamente não está disposta a abrir mão do negócio. Os exercícios militares aéreos norte-americanos com as Forças de Defesa da Guiana, realizados no auge da crise com a Venezuela, foram um recado claro.
Maduro ameaçou a recorrer ao apoio da Rússia e chegou a anunciar uma visita ao Kremlin. O governo Biden pressionou o Brasil para mediar o conflito. Lula afirmou, no início de dezembro, esperar “bom senso” de Venezuela e Guiana para resolver a tensão. Enviou Celso Amorim para conversar com Maduro. Na reunião promovida em São Vicente e Granadinas, as partes concordaram em continuar se encontrando para buscar uma solução negociada para o conflito, a ser mediada pela Celac, que poderá incluir a cessão da exploração de petróleo em Essequibo também a empresas venezuelanas. O que não deixaria de ser um trunfo significativo para Maduro nas eleições do próximo ano.
A posse de Milei como no presidente da Argentina mobilizou a extrema direita internacional. Contou com a presença de um de seus expoentes, Viktor Orban, presidente da Hungria. Bolsonaro compareceu, ávido para divulgar sua presença para a militância. Foi barrado ao tentar participar da foto de chefes de Estado presentes ao evento.
Em pronunciamento de despedida, Alberto Fernández admitiu o fracasso da agenda econômica e de combate às desigualdades de seu governo. “Foram desafios inconclusos, e não fujo à culpa”, disse. “Não alcançamos uma matriz econômica sólida, que permita acesso a uma vida digna. Ampliamos direitos, mas ainda falta. Colocamos a justiça social como horizonte, mas não a alcançamos”, afirmou.
Mostrando que foi eleito com um projeto oposto ao do candidato peronista, Milei anunciou, dez dias depois da posse, um decreto com mais de 360 medidas com o objetivo de desregulamentar a economia. O pacote mexe com contratos de trabalho, controle de preços, aluguéis, exportações, planos de saúde e a estrutura do Estado. Afirmou que é apenas o começo da implementação do projeto político defendido na campanha eleitoral. Ameaçou reprimir com violência manifestações populares contrárias às medidas. Mesmo assim, houve resistência e a população saiu às ruas no dia 21, enfrentou a repressão, organizou novas manifestações de rua e panelaços nos dias seguintes.
A experiência já vem sendo considerada o principal laboratório da extrema direita ao radicalizar políticas neoliberais e fragilizar setores organizados da sociedade contrários, particularmente o movimento sindical. Muitas das medidas são consideradas inconstitucionais e a maioria delas depende da aprovação do Congresso, onde Milei conta com reduzida base de apoio.
No plano nacional, o governo Lula fechou o ano com motivos a comemorar, especialmente na área econômica onde acumulou feitos memoráveis. O Ibovespa, principal índice da Bolsa de Valores de São Paulo, bateu o 4º recorde no dia 22 de dezembro e fechou aos 132.752,94 pontos, em alta de 0,43%, no maior valor nominal da história. O dólar acompanhou o bom-humor dos investidores e fechou em queda de 0,54%, a R$ 4,861.
No acumulado em 12 meses, o IPCA desacelerou a 4,68%, abaixo do teto da meta de inflação para o ano de 2023 (4,75%). O CDS (Credit Default Swap) –conhecido como risco Brasil– atingiu 142 pontos no dia 1º de dezembro, o menor patamar desde dezembro de 2020. O Copom reduziu em decisão unânime no dia 13 de dezembro, no último encontro de 2023, a taxa básica de juros (Selic) em 0,5 ponto percentual, de 12,25% para 11,75% ao ano.
A agência de classificação de risco S&P Global Ratings elevou, no dia 19 de dezembro, a nota de crédito soberano do Brasil. Agora, o Brasil passa a ter a classificação BB, antes era BB-. O Brasil ultrapassou o Canadá e se consolidou como a nona economia do mundo. O Banco do Brics anunciou, no dia 21, a transferência do empréstimo de US$ 1 bilhão (cerca de R$ 5 bilhões) para o país.
Coroando todo este êxito, o governo conseguiu aprovar, num feito histórico, a primeira etapa da reforma tributária que unifica impostos, medida aguardada há mais de trinta anos. O Congresso Nacional aprovou ainda, no dia 22, o Orçamento de 2024 com meta fiscal de déficit zero defendida por Haddad. Numa perspectiva otimista do ministro a economia brasileira deverá crescer cerca de 3% em 2024, bem acima da projeção do mercado (1,8% segundo estimativa da OCDE).
O Senado aprovou as indicações de Gustavo Dino ao Supremo e de Paulo Gonet à PGR, apesar da oposição bolsonarista. Na relação com o Congresso, no entanto, o governo também acumulou reveses. O Parlamento derrubou de forma integral 9 vetos presidenciais (os mais emblemáticos foram a desoneração da folha de pagamentos, o marco temporal e o trecho do arcabouço fiscal que facilitaria flexibilizações no cálculo da meta fiscal) e outros 4 parcialmente. Haverá limitação para o Planalto fazer investimentos em 2024.
O governo teve que liberar cerca de 9 bilhões em emendas parlamentares para aprovar projetos no Congresso. Teve ainda que aceitar a inclusão no orçamento de 2024 de cerca de 50 bilhões para essas emendas. Dinheiro que foi retirado de áreas importantes como a política de valorização do salário mínimo, a saúde, a educação e o Novo PAC. O Centrão praticamente recuperou o que havia perdido com o fim do “orçamento secreto”, além de ter turbinado o orçamento de ministérios que controla. Em outras palavras, o apoio ao governo tem custado caro, não apenas financeiramente. O Parlamento, comandado pelo Centrão, avança cada vez mais em atribuições do poder executivo, invertendo a seu favor o jogo de equilíbrio entre os poderes institucionais, situação que vem sendo chamada de “parlamentarismo orçamentário”.
Mesmo assim, Lula elogiou os parlamentares pela aprovação da reforma tributária afirmando que o Congresso é a cara da sociedade brasileira (com a qual tem que lidar, gostando ou não). Sabe que a aprovação de medidas econômicas é fundamental para a retomada do crescimento. Continua apostando na implementação do Novo PAC para alavancar a economia e enfrentar o cenário de polarização política nas eleições de 2024.
Tem pela frente o enorme desafio de ampliar a aprovação do seu governo, que continua estável: fecha 2023 com 38% de aprovação dos brasileiros, enquanto 30% consideram seu trabalho regular e outros 39% ruim ou péssimo. Apesar dos avanços na economia, encerrou novembro de 2023 com 71,81 milhões de pessoas em situação de inadimplência e com 39 milhões de trabalhadores na informalidade, 39,1% da população ocupada do país.
Os desafios da reconstrução da economia, reestruturação do Estado, fortalecimento da democracia e combate às desigualdades continuam enormes.