Semana de 9 a 15 de julho de 2023
A semana que passou foi aparentemente de pouca movimentação no cenário político como resultado do recesso parlamentar. Havia uma sensação de “paz brasiliense” depois das emblemáticas aprovações na Câmara do projeto de reforma tributária e do PL do Carf, vitória do governo e demonstração de boa vontade e de força do Centrão que, em seguida, cobrou o preço: mais 10 bilhões em emendas parlamentares, ministérios, empresas estatais e cargos no segundo escalão. O que estava e continua em jogo é mais do que retribuição ao apoio recebido. Trata-se de um complexo movimento para integrar forças de centro direita no governo, assegurando-lhe bases mais sólidas de apoio no Congresso. O processo tende a isolar a extrema direita, mas atinge também a esquerda, seja pela eventual perda de espaço, seja pelo fortalecimento do ideário liberal no parlamento: apoio à agenda de “interesse do Estado” e rejeição a temas considerados “ideológicos”.
Na última semana, houve muita movimentação no governo, sinalizando um processo para além da arrumação de casa e que tende a durar até agosto, com a volta das atividades parlamentares. Lula está operando em três frentes: reestruturando os ministérios para atender às demandas do Centrão, sem abrir mão daqueles considerados estratégicos; aprovando medidas de forte apelo popular e impacto econômico visando ampliar sua base de sustentação na sociedade; aproximando-se de redutos bolsonaristas, com o objetivo de esvaziar progressivamente a extrema direita.
Diante da voracidade do Centrão por ministérios e estatais com orçamento robusto e capilaridade de atuação, o governo blindou, de imediato, os mais cobiçados: o ministério da Saúde e, logo em seguida, os ministérios do Desenvolvimento Social e do Esporte. Chegou-se a especular a substituição de Alckmin por França no MIDIC, para liberar o ministério dos Transportes para a negociação. A ideia foi rechaçada por Lula, por sua forte relação com o vice-presidente e pelo que ele representa na conjunção de forças políticas que lhe deram vitória nas urnas. Em nome da governabilidade, fala-se na cessão de ministérios comandados por partidos com pouca representatividade no Congresso (Ciência e tecnologia/PCdoB e Transportes/PSB), ao mesmo tempo em que é cobrada a fidelidade do partido de França. Ou seja, ainda há muita negociação nos bastidores para acomodar interesses que envolvem, além de ministérios, os Correios, a CEF e até o BNDES, por ora blindado por Lula.
Enquanto as negociações avançam no ritmo imposto por Lula – o presidente afirmou que não negocia “com a faca no pescoço” – iniciativas de impacto em outras áreas foram aceleradas. Na retomada do Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial, na semana anterior, o governo já anunciara R$ 106 bilhões em investimentos na indústria pelos próximos quatro anos. O projeto de “neoindustrialização” tem objetivos estratégicos ousados, linhas consistentes envolvendo inovação tecnológica, transição verde e justa, recuperação de áreas de industrialização madura e geração de emprego de qualidade.
Outro programa estratégico, a ser lançado em agosto, é o novo PAC-Programa de Aceleração do Crescimento. Segundo Haddad, trata-se de construir um “novo país”. Será dada atenção à questão ambiental, com foco na agricultura e pecuária, para que esses setores não percam mercado diante das novas exigências ecológicas. Prioriza a integração da produção de energia eólica e solar à elétrica, além de investimento em rodovias, ferrovias, saneamento básico e retomada de obras paradas, entre outras iniciativas.
A semana foi pródiga no lançamento de projetos. O Minha Casa, Minha Vida será revigorado no segundo semestre com R$ 27 bilhões a mais para o financiamento de imóveis destinados à população de baixa renda. O novo formato do Mais Médicos, anunciado na sexta (14) prevê a abertura inicial de 15.000 novas vagas para profissionais da saúde, com a efetivação de 28.000 até o final de 2023. O Desenrola Brasil entrará em operação na próxima segunda-feira (17), quando 1,5 milhão de brasileiros que devem até R$ 100 vão sair da lista de negativados e cidadãos com renda de até R$ 20 mil poderão renegociar suas dívidas diretamente com instituições financeiras.
Com o objetivo de minar o bolsonarismo e fragilizar a extrema direita, o governo fez acenos para os evangélicos. Apoiou na negociação da reforma tributária a ampliação da imunidade tributária das igrejas contra a cobrança de impostos federais, estaduais e municipais (incluindo IPTU). Lula ainda avalia nos bastidores se faz outro aceno importante com a indicação do advogado-geral da União, Jorge Messias, para o STF (Supremo Tribunal Federal) em outubro, na vaga da ministra Rosa Weber.
Considerando o compromisso de despolitizar as Forças Armadas, o presidente buscou restringi-las à atuação institucional, o que acabou agradando importantes setores da caserna. Houve momentos de tensão, já superados, com a tentativa de golpe no 8 de janeiro. Manteve o GSI sob comando de militares que também ganharam a disputa sobre o comando da segurança presidencial. O governo tem trabalhado para garantir recursos para a indústria de defesa no Novo PAC. Nem todos os gestos, no entanto, são de afagos. Iniciou, na semana passada, o processo de extinção total do programa federal de fomento a escolas cívico-militares, uma bandeira de Jair Bolsonaro, embora governos estaduais (SP, RS, entre outros) tenham anunciado sua continuidade.
O governo tem feito gestos de aproximação também com o agronegócio. No fim de junho foi lançado o Plano Safra 2023/2024 com R$ 364,22 bilhões para o financiamento da atividade agropecuária de médio e grandes produtores. Apesar de o valor ser recorde, a base bolsonarista no setor se mantém em relativa distância.
Ainda é cedo para avaliar o resultado dessas medidas, considerando o tempo que muitas delas leva para apresentar resultados e levando em conta que a negociação com o Centrão ainda está em curso. Mas observando o conjunto da obra, especialmente o bom desempenho do governo na área econômica, nota-se a mudança de humor em setores importantes do mercado, que passaram a ver com otimismo o que chamam de “gestão econômica equilibrada”. Entenda-se por isso o fim das incertezas em relação às reformas anteriores (previdência, trabalhista), à interferência na independência do Banco Central, ao aumento da meta da inflação, ao eventual fracasso da reforma fiscal. Em outras palavras, otimismo com a agenda econômica liberal.
O que está em andamento é um processo mais complexo do que uma guinada do governo ao centro. Ao mesmo tempo em que atende às demandas do Centrão com vistas à governabilidade, Lula lança programas de impacto econômico e social que fortalecem o seu projeto de governo e mantém a confiança do mercado. A estratégia de consolidar posições antes de dar nova arrancada no processo de reconstrução do país faz sentido. Feita a repactuação com as forças de centro e de direita, assentadas as bases de uma agenda econômica liberal (novo marco fiscal e reforma tributária), espera-se uma mudança na política monetária (queda da taxa de juros) que favoreça a retomada do crescimento.
Estariam assim dadas as condições, ou bases mais seguras, para se avançar em direção a uma agenda mais à esquerda, como a segunda etapa da reforma tributária, de caráter progressivo – colocar os ricos no imposto de renda, taxar lucros e dividendos, elevar os tributos sobre grandes fortunas e a herança. Da mesma forma, espera-se que o terreno esteja mais favorável à aprovação de um novo marco regulatório para as relações de trabalho – atualização da organização sindical e da negociação coletiva no setor privado e público, regulação do trabalho precário, a começar pelo trabalho por aplicativo, uma agenda que já está andando. A conferir.