“A ação bélica do Irã contra Israel neste fim de semana em retaliação à destruição de seu consulado em Damasco, na Síria, elevou a tensão no Oriente Médio e preocupa autoridades internacionais. No sábado, o lançamento de mais de 300 drones e mísseis ao território israelense provocou diversas explosões. Alguns drones foram derrubados pelas forças de defesa de Israel, pelos Estados Unidos, pelo Reino Unido e pela Jordânia antes de chegarem ao espaço aéreo israelense.”
Este foi o principal fato no plano internacional na última semana indicando a possibilidade de uma escalada do conflito na região e que acabou não acontecendo. A reunião no Conselho de Segurança da ONU não foi além da troca de acusações, sem ter chegado a uma decisão para conter a crise. Os desdobramentos do conflito apontam que a ameaça de escalada da guerra interessava exclusivamente ao governo de extrema-direita israelense e que esta era sua intenção ao destruir o consulado iraniano na capital síria. Biden, no entanto, afirmou em telefonema a Netanyahu que os EUA estavam dispostos a defender Israel de ataques, mas não apoiariam uma retaliação que levasse à ampliação do conflito.
A reação do Irã à destruição do seu consulado em Damasco também foi um gesto calculado. A amplitude do ataque, visando simultaneamente diferentes alvos e regiões, foi um recado a Israel do potencial bélico que dispõe para um efetivo ataque ao inimigo. O governo iraniano informou seu plano antecipadamente a parceiros estratégicos que deixaram as informações chegar aos serviços de inteligência dos Estados Unidos e de Israel que, por sua vez, teve tempo suficiente para se preparar para o ataque iminente. A reação exemplar contribuiu para atenuar o vexame provocado pela falha no sistema de segurança por ocasião do ataque do Hamas em outubro passado e para ampliar a base interna de sustentação do governo. O apoio dado a Israel pelos países liderados pelos Estados Unidos contribuiu efetivamente para fortalecer Netanyahu que vem se utilizando da guerra – contra o Hamas e agora contra a ameaça vinda do irã – para se manter no poder.
Os ataques de Elon Musk ao Supremo e ao governo brasileiro revelaram uma trama complexa de relações da extrema direita no país e no exterior. Musk, dono da rede social X (antigo Twiter) foi incluído como investigado no inquérito das milícias digitais por ordem do ministro do STF Alexandre de Moraes. O empresário chegou a dizer que descumpriria o bloqueio de contas investigadas na plataforma, além de defender que Moraes deveria renunciar ou sofrer impeachment.
O fato serviu para inflamar a base bolsonarista nas redes sociais. Em live, o ex-presidente Bolsonaro disse que Musk assumira a briga pela liberdade no Brasil e se tornara um símbolo dessa luta. “A nossa liberdade, em grande parte, está nas mãos dele”, disse. Nas redes, bolsonaristas também passaram a relacionar o episódio com a convocação de Bolsonaro para ato em 21 de abril no Rio de Janeiro. O embate se tornou o tema da viagem de deputados federais bolsonaristas à Europa para denunciar o que consideram violações da liberdade de expressão e perseguição política no Brasil.
Ações posteriores de Musk evidenciaram a tentativa de envolver o congresso norte-americano no ataque ao governo brasileiro – “Acabamos de receber uma consulta da Câmara dos Deputados dos EUA sobre ações tomadas no Brasil que violavam a lei brasileira’, postou em rede social – além da bizarra relação com Milei, presidente da Argentina, que se ofereceu para mediar a crise com o Brasil. O advogado-geral da União, Jorge Messias, se reuniu com integrantes da CIDH (Comissão Interamericana de Direitos Humanos) –ligada à OEA e lhes disse que havia denunciado “o recente ataque coordenado pela extrema-direita transnacional contra a democracia brasileira”. O caso ainda deve ter desdobramentos, entre eles a retomada do debate sobre a regulação das redes sociais e o necessário combate às fake News no Brasil, tema que o Congresso majoritariamente conservador adia.
O governo Lula, por sua vez, vem sendo desafiado a responder de forma efetiva a demandas colocadas por dois setores organizados da sociedade: os trabalhadores sem-terra representados pelo MST que tradicionalmente organiza ocupações de terra no chamado Abril Vermelho; os servidores públicos federais, cujos salários foram arrochados e as condições de trabalho precarizadas nos últimos anos e que decidiram paralisar as atividades diante do impasse na mesa de negociação.
Nos dois casos, o governo Lula tem buscado solucionar o conflito de forma pacífica e democrática, como não se viu no período anterior. Durante evento realizado no Planalto com entidades representativas dos trabalhadores rurais, o líder dos Sem Terra, Hadich Ceres, afirmou: “Assim como o senhor, presidente Lula, que não renunciou à sua dignidade em detrimento da sua liberdade interrompida, nós nos comprometemos, perante o povo sem-terra e o povo brasileiro, a não parar de lutar enquanto houver povo sem-terra e terra sem gente”.
O governo respondeu com o compromisso de avançar a proposta de reforma agrária a partir da iniciativa denominada “prateleira de terras”. “Lula atribuiu ao ministro do Desenvolvimento Agrário e da Agricultura Familiar (MDA), o ex-deputado federal Paulo Teixeira (PT-SP), a tarefa de apresentar a ‘prateleira’, isto é, todas as possibilidades de obtenção de terras, das mais diversas fontes, e que fossem além da ferramenta clássica de desapropriação de terras improdutivas. O conjunto de ações, que envolve estímulos à agricultura familiar, ganhou o nome de Terra da Gente”.
A negociação com o funcionalismo público ainda está longe de uma solução satisfatória, como se pode observar na declaração do presidente da CUT, Sergio Nobre. “O próprio presidente Lula nos ensinou que reajuste zero, só derrotado. Então eu espero que o ministro Fernando Haddad encontre espaço dentro do orçamento para atender as reivindicações dos trabalhadores.” Os servidores reivindicam reajuste salarial de 22%.
O governo havia acenado com o aumento de benefícios a partir de 1º de maio e a instalação de novas mesas específicas de negociação até julho, tirando o foco do debate sobre um reajuste linear ainda em 2024, pois as categorias que já fizeram acordos de reestruturação das carreiras do ano passado para cá seriam beneficiadas duas vezes em caso de uma revisão geral. Diante das restrições orçamentárias impostas pelo teto de gastos previsto no novo arcabouço fiscal, acabou prevalecendo a proposta de reajuste zero para 2024, considerada inaceitável pelos trabalhadores.
Segundo a ministra Esther Dweck, o governo estuda oferecer aos servidores públicos federais um reajuste acima de 19% em quatro anos, mas sem reajuste para este ano. A proposta deve ser debatida inicialmente com a educação, que já tem paralisações em curso e, em seguida, deve estar na mesa de negociação das demais categorias. Para isso, busca-se espaço no orçamento. O governo prepara ainda a abertura de 6.640 novas vagas no funcionalismo e anunciou a criação de mais 100 campi dos institutos federais de ensino até 2026, gesto que vai na direção contrária à contenção de gastos e à reforma administrativa defendida pela direita.
Ao mesmo tempo, segue em curso a negociação do projeto de regulamentação da negociação coletiva e do direito de greve no setor público. Ou seja, as questões levantadas pelos servidores públicos tensionam positivamente o processo de democratização das relações de trabalho como parte de um processo mais geral de democratização do Estado e de fortalecimento da democracia no país, questões que apontam para o rumo certo, mas que estão longe de serem resolvidas.
No Congresso, partidos de esquerda conseguiram manter a prisão do deputado Brazão, acusado de ser o mandante do assassinato da vereadora Marielle Franco, apesar das articulações de Bolsonaro e de Lira em contrário. Por outro lado, o governo foi derrotado na votação do projeto que assegura a manutenção das “saidinhas” eventuais de presos dos presídios, levando o presidente Lula a vetá-lo parcialmente. Na perspectiva das forças de direita, a proposta faz uma correção de rota na legislação visando fortalecer a segurança pública. A provável derrubada do veto presidencial no parlamento poderá aumentar a tensão nos presídios que analistas veem como verdadeiras “panelas de pressão”. O próprio ministro Lewandowski afirmou temer revoltas generalizadas nos presídios federais se o veto for derrubado.
O anúncio de descobertas de reservas de petróleo no Rio Grande do Norte e da manutenção provisória de Jean Paul Prates na presidência da Petrobras contribuíram para atenuar a relação tensa entre o governo e a empresa. Por outro lado, a queda na arrecadação do governo nos últimos meses levou à alteração no arcabouço fiscal para liberar R$ 15,7 bilhões de forma imediata para os cofres públicos e à revisão da meta de déficit zero para 2025. As medidas não foram bem recebidas pelo mercado e podem influenciar a atual política de redução da taxa Selic pelo Copom.
Em síntese, as tensões se acumulam em várias frentes, envolvendo desta vez setores da base de sustentação do próprio governo (trabalhadores sem-terra, funcionários públicos). A direita continua dificultando a vida no parlamento e mobilizada nas redes sociais, desta vez municiada com a vitória de Moro no Tribunal Eleitoral do Paraná (que poderá ser revertida em instância superior) e com a campanha de Musk contra o Supremo, endossando a versão ideológica de que a democracia está em risco no Brasil. Esse discurso deverá inflamar a massa bolsonarista convocada para a manifestação no dia 21 de abril no Rio de Janeiro. Lidar com essas tensões está no cerne do processo democrático. Falta à esquerda entrar de forma mais efetiva na disputa pelo discurso hegemônico.