Na semana que passou, três fatos foram marcantes pelo impacto na conjuntura e pela possibilidade de desdobramentos efetivos que alterem o curso da realidade brasileira a médio prazo. O primeiro foi a realização da Cúpula da Amazônia, considerada por setores da mídia como a principal realização do governo Lula no plano internacional. O segundo foi o lançamento do aguardado Novo PAC, plano ambicioso de desenvolvimento arquitetado para alavancar a retomada do crescimento, embora paire dúvidas sobre os recursos para financiá-lo. O terceiro, com ampla repercussão no mesmo dia do lançamento do Novo PAC e que o sobrepujou na cobertura da mídia, foi a divulgação do tortuoso processo de vendas de joias recebidas por Bolsonaro nos Estados Unidos, manobra envolvendo um general reformado, o pai do ajudante de ordens do ex-presidente, além de outros personagens escusos que atuavam nos subterrâneos do governo anterior.
O documento assinado pelos representantes dos líderes dos oito países que formam a Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA) não estabelece metas nem prazos objetivos para as mais de 130 questões abordadas no evento. Foi o acordo possível se consideramos o processo desigual entre os países envolvendo a defesa do meio ambiente, a falta de tradição em relação a uma agenda comum e as constantes crises políticas no continente que dificultam a integração em torno dessa agenda.
Os objetivos estabelecidos para a Cúpula eram, de início, desafiadores, conforme anunciou Lula: “Nesta ocasião, temos três objetivos principais. Primeiramente, buscaremos discutir e fomentar uma nova perspectiva de desenvolvimento sustentável e inclusivo na região, harmonizando a preservação ambiental com a criação de empregos dignos e a salvaguarda dos direitos das populações que habitam a Amazônia. Será essencial unir a conservação ambiental com a inclusão social, o apoio à pesquisa científica, tecnológica e inovação, o estímulo à economia local, o combate ao crime transnacional, além do reconhecimento e valorização dos povos indígenas, das comunidades tradicionais e de seus conhecimentos ancestrais.” Nada mais correto, como ambicioso.
A presença de um número significativo de representantes dos povos indígenas de toda a região amazônica e de organizações da sociedade civil comprometidas com a defesa dessas populações e do desenvolvimento sustentável da Amazônia foi avaliada positivamente como sinal de uma unidade que se tece no território, de baixo para cima, como força impulsionadora das transformações consensuadas na Declaração de Belém. Como afirmou uma analista: “Se os governantes da região forem capazes de implementar um quarto do que foi desenhado no documento, o mundo ganhará muito.”
Houve polêmicas, a principal delas levantada pelo presidente da Colômbia, Gustavo Petro, que demandou de seus pares uma posição mais firme contra a exploração do petróleo na região, tema que o documento final evitou abordar. E ele cobrou coerência de lideranças de esquerda: “[Os governos de] direita têm um fácil escape, que é o negacionismo. Negam a ciência. Para os progressistas, é muito difícil. Gera então outro tipo de negacionismo: falar em transições”.
O desafio colocado para Lula está em conciliar o que se apresenta como uma contradição em termos: propor o desenvolvimento sustentável da Amazônia e explorar a enorme jazida de petróleo na margem equatorial do rio Amazonas, como fonte de crescimento e geração de empregos, iniciativa questionada por defensores da transição para uma economia de baixo carbono. Um tema que continuará a render não apenas no plano internacional, onde será um teste para a liderança de Lula na questão ambiental, mas que reserva disputas acaloradas no plano nacional, inclusive dentro do próprio governo.
Concebido como principal alavanca do desenvolvimento, o Novo PAC contém programas e metas arrojadas, abrange todo o território nacional, contempla a retomada de obras paradas assim como o desenvolvimento de novos projetos. Em síntese, um programa tão complexo como ambicioso, como o deve ser para fazer jus às promessas de campanha. Enfrentará desafios não menos complexos. O primeiro vem da oposição de governadores (que não compareceram ao lançamento do programa) e de parlamentares (que não aceitam aplicar no PAC recursos das emendas ao orçamento) todos eles jogando contra o êxito do governo. O projeto esbarra ainda limites de recursos por parte o governo (nova regra fiscal), apesar da estratégia de envolver recursos das estatais, da iniciativa privada e de eventuais investimentos externos.
O novo escândalo envolvendo Bolsonaro e sua troupe de auxiliares ( desta vez , um general da reserva, para o incômodo dos militares) na venda, nos Estados Unidos, de joias recebidas do governo saudita e que pertencem ao Estado brasileiro, além de expor o modo de ser e de agir do governo anterior, processo que desmoraliza a extrema direita, mostra a ação diligente do poder judiciário (novamente o ministro Alexandre de Moraes) e da PF, que desta vez solicitou apoio do FBI para investigar as transações da quadrilha em território norte-americano. O processo deve ainda render, e muito. Pode colocar o grupo na cadeia, inclusive a ex-primeira dama, e desmoralizar ainda mais a extrema direita. Sua reação desesperada já se faz sentir.