As eleições no dia 30 de outubro ocorreram num clima de certa tensão provocada por inúmeras denúncias de que a PRF estava realizando blitz em várias regiões do Brasil, especialmente no Nordeste, com o objetivo de impedir o acesso de eleitores de Lula às seções eleitorais. Notícias de assédio eleitoral envolvendo empresários e agentes do poder local para coagir eleitores a votarem em Bolsonaro haviam circulado nos dias anteriores na mídia e redes sociais, indicando que essas não seriam eleições tranquilas, muito menos disputadas em condições de igualdade. Nunca na história recente do país se utilizou tão descarada e impunemente do aparato estatal e de recursos públicos para favorecer o candidato da situação.
A ação do ministro Alexandre de Moraes foi firme no sentido de coibir a ação ilegal dos policiais rodoviários federais e sensata, ao não cair na armadilha de prolongamento do horário eleitoral, recurso aguardado pelos bolsonaristas para questionarem a lisura do processo eleitoral, estopim para a desejada desordem social. Menos de duas horas depois do término das eleições, os resultados foram divulgados pelo TSE: Lula venceu com 60.345.999 votos, representando 50,9 dos votos válidos, a mais ampla votação de um candidato a presidente e a vitória mais apertada na história recente do Brasil. Bolsonaro conseguiu a proeza de ser o primeiro presidente a não ser reeleito depois da democratização.
O reconhecimento internacional foi imediato e expressivo. Pouco mais de meia hora após o anúncio pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), a Casa Branca enviou uma nota curta em que afirma que as eleições brasileiras foram justas —ao contrário de alegações feitas antes do pleito pelo atual presidente, Jair Bolsonaro. A rapidez no reconhecimento da vitória de Lula também foi adotada por líderes europeus e de outros continentes como o Presidente da França, Emmanuel Macron, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, o primeiro-ministro da Austrália, Anthony Albanese, o premiê e o presidente de Portugal, António Costa e Marcelo Rebelo de Sousa, presidente da Colômbia, Gustavo Petro, a vice-presidente da Argentina, Cristina Kirchner entre tantos outros. O presidente argentino, Alberto Fernández, fez questão de vir ao Brasil para cumprimentar pessoalmente Lula, que recebeu cumprimentos também de XI Jinping e de Putin.
Na mídia internacional o sentimento foi de alívio, de vitória da democracia e de uma derrota significativa para a ultradireita global. Além da expectativa de fortalecimento de uma agenda progressista na região – os seis países mais populosos e principais economias da América Latina passam a ter presidentes de esquerda ou centro-esquerda: México, Argentina, Brasil, Peru, Colômbia e Chile – espera-se que o Brasil retome, na figura de Lula, o papel reconhecido de player global. Os convites já começaram a chegar – participação na COP27, na reunião do G20, – assim como os anúncios de retomada de projetos de cooperação e de ampliação de investimentos, confirmando a expectativa e o sentimento de alivio de líderes mundiais de não terem mais de conviver com o tosco e vulgar Bolsonaro.
No plano nacional, o reconhecimento da vitória de Lula também foi imediato, deixando Bolsonaro isolado na sua derrota. O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), foi o primeiro chefe de poder a parabenizar o presidente eleito. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, acompanhou a apuração no TSE e também se pronunciou após a proclamação dos resultados, por volta das 22 horas. “Expresso reconhecimento do resultado das eleições no Brasil, de forma plena, absoluta e insuscetível de quaisquer questionamentos.” O presidente do TSE, o ministro Alexandre de Moraes confirmou o resultado das urnas e a legitimidade do processo eleitoral: “Urnas eletrônicas são patrimônio nacional e espero que, a partir dessa eleição, finalmente cessem as agressões ao sistema eleitoral, cessem os discursos fantasiosos, as notícias fraudulentas, as notícias criminosas contra as urnas eletrônicas, porque quem novamente atestou a credibilidade das urnas eletrônicas foi o povo brasileiro”, disse Moraes. A presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Rosa Weber, também discursou e pediu união e respeito às instituições.
Logo depois a divulgação dos resultados, Lula fez um pronunciamento histórico, reafirmando seu status de estadista. “É a vitória de um imenso movimento democrático que se formou, acima dos partidos políticos, dos interesses pessoais e das ideologias, para que a democracia saísse vencedora.” Em outro momento, destacou: “Vamos juntos pelo Brasil, olhando mais para aquilo que nos une do que para as nossas diferenças.” E disse ainda: “Vou governar para 215 milhões de brasileiros e brasileiras e não apenas para aqueles que votaram em mim. Não existe dois brasis. Somos um único país, um único povo, uma grande nação.”
Chamou a atenção o isolamento de Bolsonaro que demorou cerca de 45 horas para romper o silêncio, numa fala curta em que não reconheceu a vitória do adversário e nem deu comando claro para a desobstrução das rodovias bloqueadas por manifestantes radicais que continuaram clamando pelo golpe militar. Não houve adesão popular, muito menos dos quarteis, levando o presidente a pedir o fim dos bloqueios, depois de ter acertado com o seu partido, o PL, as condições de sobrevivência (casa para morar, salário mensal e assistência jurídica, da qual precisará muito ao voltar a ser um cidadão comum) e de ter dito aos membros do STF: “É o fim”.
A transição para o novo governo teve início com a indicação de Alckmin para coordenar o processo, com os primeiros acertos feitos com representantes do atual governo e a indicação os membros da comissão de transição a serem apresentados na segunda (7). Lula, por sua vez, continua a movimentação política buscando assegurar a governabilidade. O Centrão já sinalizou disposição para o diálogo e apoio. Lula busca a formação de uma aliança ao centro que lhe garanta maioria no Congresso e, ao mesmo tempo, isole a extrema direita. Com base na negociação e avaliação de correlação de forças deve prosseguir na agenda política. Tem como desafio imediato fazer emendas no orçamento para assegurar recursos aos programas sociais, num arranjo jurídico (MP ou PEC) que permita romper com segurança o teto de gastos.
Sabe que está indo na direção correta, como confirmam o entusiasmo das forças democráticas que o apoiam e o próprio humor do mercado: o dólar chegou ao menor valor desde 29 de agosto (R$ 5,0329) e acumulou queda de 4,56% na última semana. Da mesma forma, o Ibovespa fechou a semana com alta de 3,16% e chegou aos 118.155 pontos.