Uma Terra · Uma Família · Um Futuro” foi o tema da cúpula do G20 de Nova Delhi, realizada no final da semana passada (9 e 10). O Brasil passou a ocupar, pela primeira vez, a presidência do grupo, num cenário de expectativas e muita disputa. Na agenda, destacam-se a prioridades, inspiradas nos desafios que Lula enfrenta no próprio país: o combate às desigualdades, sobretudo à fome e à pobreza, e o combate à desigualdade entre países; a questão ambiental, com foco na defesa da Amazônia e nas mudanças climáticas; uma nova governança global com reformas em organismos multilaterais, como a Organização das Nações Unidas, e a candidatura do Brasil ao Conselho de Segurança da ONU.
Será uma oportunidade e tanto para o Brasil e um teste para o governo Lula. Seu discurso causa impacto, mobiliza, conferindo-lhe legitimidade. No entanto, enfrenta a ação das potências que se sentem incomodadas com o questionamento à atual governança global e à hegemonia do dólar nas transações internacionais. Procuram neutralizar a ascendência do Brasil e de Lula, fortalecendo outros atores que disputam o mesmo espaço. O governo Biden prioriza a relação com a Índia, que se diz “amiga de todos” e entra no jogo pleiteando o papel de liderança entre os países do Sul Global, ao mesmo tempo em que estabelece relações pragmáticas com os países centrais. Recebeu a promessa de que os Estados Unidos defenderão sua demanda por uma vaga no Conselho de Segurança da ONU.
Chamou ainda a atenção, no plano internacional, a ocorrência de eventos climáticos extremos, decorrentes do aquecimento global, como incêndios devastadores em países europeus, a destruição deixada pelo furacão na Florida, Estados Unidos, as inundações na Líbia e os efeitos igualmente devastadores do ciclone no Rio Grande do Sul, Brasil. Os desastres ambientais reforçam a proposta do Brasil de uma aliança global pelos biocombustíveis, elemento importante na transição para a economia de baixo carbono, ao memos tempo em que o governo Lula trava uma cruzada contra o que considera ser um neocolonialismo ambiental da União Europeia. Espera contar, desta vez, com o apoio de países do Mercosul e de outros continentes, como a Indonésia.
Na véspera do 7 de setembro, no discurso à nação, Lula afirmou que a “independência do Brasil ainda não está completa” e apontou os três pilares que devem sustentar uma verdadeira emancipação da nação brasileira e de seu povo: a democracia, a soberania e a união. A celebração, no dia seguinte, teve como um dos principais objetivos recuperar o significado histórico da data e os símbolos da nação, vilipendiados no governo anterior como instrumentos de mobilização contra a democracia. Serviu também para selar o pacto com os militares, cuja relação está sendo reconstruída em torno dos mesmos objetivos de reconstrução do país.
A tão aguardada reforma ministerial finalmente desencantou. Mais minguada do desejava o Centrão, não agradou também a aliados que foram remanejados (França cedeu a Silvio Costa Filho, RE/PE, o Ministério de Portos e Aeroportos para assumir o novo Ministério das Micro e Pequenas Empresas) ou simplesmente demitidos (Ana Moser foi desalojada do Ministério dos Esportes, entregue a André Fufuca/PP-MA). Lula conseguiu avançar significativamente na questão da governabilidade, podendo amealhar o número de votos necessários à aprovação de projetos no Congresso. Isto não significa apoio incondicional do Republicanos e do Partido Popular. Ao receberem ministérios, os partidos entraram e “estão” no governo, mas “não são“ governo (ambiguidade cuja compreensão exige contorcionismo de raciocínio) podendo seus parlamentares votar contra o Planalto. Os críticos à esquerda fazem a pergunta, que aparentemente desafia a razão: se não garante voto, por que ceder ministério? A disputa continuará sendo feita a cada votação, mas com uma margem maior de segurança.
Pode parecer uma concessão muito grande para manter a governabilidade, sem ter essa garantia. No entanto, Lula não tinha como não ceder. Se for levada em conta a ambição do Centrão, Lula conseguiu preservar ministérios estratégicos, numa situação desfavorável de correlação e forças. Olhando por este ângulo, foi uma proeza.
O combate à extrema direita golpista continua. A delação premiada de Mauro Cid deverá complicar ainda mais a situação de Bolsonaro e de militares aliados. Bolsonaristas temem ainda a iminente troca de comando na PGR. Bolsonaro botou a barba de molho e internou-se, mais uma vez, para submeter-se a cirurgias. Toda vez que o cerco aperta, o intestino não funciona. O círculo mais próximo de aliados tenta manter a calma. Nas redes, continuam fazendo o que sabem melhor: inverter os fatos, apresentar culpados como vítimas de perseguição política. E pasmem: funciona! Milhões que transitam diariamente nas bolhas criadas para dar sobrevida ao bolsonarismo compram essa versão.