Semana de 3 a 9 de outubro/2022
“O neoliberalismo foi, em sua primeira fase, um ataque aos direitos sociais e econômicos previstos nas constituições. O fortalecimento da extrema direita é a nova fase do neoliberalismo, com ataque aos direitos cívicos e políticos. Ele se torna incompatível com a democracia. Hoje, o Brasil é o grande laboratório do novo fascismo no mundo e as democracias estão a morrer democraticamente”. Boaventura dos Santos
A afirmação acima esclarece o significado histórico das eleições no Brasil, a ponto de dirigentes sindicais reafirmarem nos palanques, nas ruas e nas redes sociais que “são as eleições de nossas vidas”. O que está em jogo é o futuro da democracia, o nosso futuro e o futuro das novas gerações.
Uma possível vitória de Jair Bolsonaro pode nos aproximar do fim do Estado Democrático de Direito no país. No livro Como as Democracias Morrem, um clássico contemporâneo, os autores Steven Levitsky e Daniel Ziblatt defendem a tese de que no primeiro mandato os presidentes com perfil ditatorial naturalizam os ataques às instituições, criam instabilidade, desacreditam os outros poderes, instalam o caos e o pânico como método.
Segundo eles “é num segundo mandato que eles consolidam seu governo autoritário, controlando as instituições e anulando os freios e contrapesos que sustentam o equilíbrio do sistema e a separação dos poderes. Isso pode ser observado hoje em países como a Turquia, a Hungria, a Nicarágua ou mesmo a Rússia”.
O que poderá acontecer se Bolsonaro vencer as eleições? Poderá indicar pelo menos mais dois ministros ao STF. Somaria quatro ministros e poderia começar a interferir de fato nas decisões da Suprema Corte. Mas ele pretende mais que isso, como indica o projeto que acaba de desengavetar para moldar o Supremo a seu projeto político. De acordo com analistas, “ampliaria a influência no Congresso, mantendo os presidentes das casas legislativas sobre sua influência. Faria um controle ainda mais rigoroso de órgãos e instituições como a Procuradoria Geral e a Polícia Federal, terminando por desmontar de vez os órgãos de fiscalização como FUNAI, IBAMA, INPE, perseguir jornalistas e opositores, blindar o próprio governo contra investigações e denúncias e instituir um regime de exceção de fato. Seria o fim da democracia, a partir da anulação ou do esvaziamento de suas próprias instituições”.
É este risco que leva Boaventura dos Santos a afirmar que a democracia no Brasil está por um fio e que o ciclo conservador está longe de ser derrotado, mesmo que Lula ganhe. O bolsonarismo tende a se arrastar anos a fio como um encosto nas sombras, um desafio para o governo Lula no chamado “terceiro turno das eleições”.
Passada a perplexidade com os resultados do primeiro turno, em que faltou pouco para Lula virar o jogo, houve muita movimentação na semana em busca de alianças e de apoio político aos candidatos. Bolsonaro recebeu o apoio de oito governadores eleitos (AC, DF, MT, MG, PR, RJ, RR, GO) e Lula de seis (CE, MA, PI, RN, PA, AP).
Nos governos estaduais em disputa no segundo turno o jogo está relativamente equilibrado. Lula conta com ao apoio de: João Azevedo/PSB, na Paraíba; Fernando Haddad/PT, em São Paulo; Renato Casagrande/PT no Espírito Santo; Paulo Dantas/MDB em Alagoas; Eduardo Braga/MDB, no Amazonas; Jerônimo/PT, na Bahia; Marília Arraes/Cidadania, em Pernambuco; Rogério Carvalho/PT, em Sergipe; Décio Lima/PT, em Santa Catarina.
Apoiam Bolsonaro: Tarcisio de Freitas/Republicanos, em São Paulo; Onyx lorenzoni/PL no Rio Grande do Sul; Carlos Manato/PL, no Espírito Santo; Rodrigo Cunha/União Brasil em Alagoas; Wilson Lima/União Brasil no Amazonas; Capitão Contar/PRTB no Mato Grosso do Sul; Jorginho Mello/PL, em Santa Catarina; Coronel Marcos Rocha/União Brasil, em Roraima e Marcos Rogério/PL em Rondônia.
A maior parte dos apoios de cada candidato vem de suas respectivas coligações. Lula conta com uma base mais ampla de partidos políticos do que o adversário. Com o PT, estão o PC do B, o PV, o Solidariedade, o Psol, a Rede, o PSB, o Agir, o Avante e o Pros. A federação Rede-Psol oficializou seu apoio ao ex-presidente desde a pré-campanha do 1º turno. A coligação de Bolsonaro é composta pelo seu partido, o PL, o Progressistas e o Republicanos.
Lula ainda recebeu apoio de figuras políticas importantes (Fernando Henrique Cardoso, José Serra, Tasso Jereissati) e de economistas renomados (Ermínio Fraga, Pedro Malan, Pérsio Arida, Edmar Bacha). O apoio mais esperado veio dos ex-adversários Simone Tebet e de Ciro Gomes. Tebet declarou na ocasião: “O Brasil que queremos só pode ser construído pelas mãos de Lula e Alckmin”. Depois do PDT ter se posicionado a favor a Lula, sugerindo a incorporação ao programa do PT de propostas específicas (zerar dívidas do SPC, o plano de renda mínima e um projeto de educação em tempo integral), Ciro afirmou: “Acompanho a decisão do meu partido, o PDT. Frente às circunstâncias, é a última saída”. Bolsonaro, como era esperado, recebeu o apoio da bancada do agronegócio.
Os votos estão sendo disputados um a um nas ruas, na mídia e nas redes sociais. Lula tem arrastado multidões por onde passa (ABC paulista, Belo Horizonte). Bolsonaro foi vaiado ao aparecer, de contrabando, no Ciro de Nazaré, em Belém. O PT ainda não acertou a mão na campanha divulgada no horário eleitoral e perde no contraponto à avalanche de notícias falsas espalhadas nas redes.
Bolsonaro conta com a máquina pública para fazer campanha e o faz despudoradamente, desrespeitando a Constituição. Anunciou o pagamento do 13º do Auxílio Brasil para as mulheres a partir de 2023, se vencer as eleições. Incorporou mais 477 mil famílias no Auxílio Brasil. Agora são 21,1 milhões que vão receber as parcelas de R$ 608, em média, no mês de outubro. Incluiu 200 mil famílias no Auxílio Gás, programa social que distribui dinheiro para a compra de um botijão de gás de cozinha a cada 2 meses. Agora são 5,9 milhões que vão receber as parcelas de R$ 112 em outubro.
Acena aos empresários com a continuidade da reforma trabalhista. Tirou da gaveta o projeto de reforma administrativa e articula no Congresso a reformulação do STF e a extinção do TSE e da Justiça Eleitoral. Prevendo a possibilidade de derrota no segundo turno, voltou a atacar o sistema eleitoral e a segurança das urnas. Manda o recado: não largará o osso facilmente.
Os desacertos das pesquisas no primeiro turno nos levam a ver os dados com cautela. Segundo o Datafolha divulgado na segunda (10), Lula continua em vantagem no segundo turno: 53% dos votos válidos, contra 47% de Bolsonaro. Lula cresceu em São Paulo, o principal foco da disputa, passando de 40% para 44% das intenções de votos, um pouco atrás do adversário (46%) que venceu o primeiro turno no estado com 7 pontos percentuais de diferença (47% x 40%).