Duas informações foram destaque sobre a guerra na Ucrânia, que já se estende por mais de um mês. A primeira foi sobre o relativo avanço na mesa de negociação, desta vez realizada na Turquia e mediada pelo presidente Erdogan. Dois pontos foram acertados provisoriamente, até se chegar a um acordo definitivo: a Rússia anunciou reduzir ataques em Kiev e Tchernihiv, na primeira promessa de cessar-fogo sem fins humanitários; a Ucrânia ofereceu a garantia de não se alinhar a blocos político-militares do Ocidente, como a Otan e a União Europeia.
Dados divulgados por órgãos de inteligência norte-americanos indicam o quão frágil ainda é este acerto e o que pode estar por trás da movimentação das tropas invasoras. O porta-voz do Pentágono, John Kirby afirmou tratar-se mais de um reposicionamento do que uma retirada real da capital ucraniana. Segundo ele, ainda é cedo para avaliar o processo e a ameaça sobre Kiev continua.
A segunda é a avaliação da ação desastrosa do exército russo no território ucraniano, confirmando suspeitas levantadas nas semanas anteriores. A invasão da Ucrânia foi a maior operação militar russa, desde a II Guerra Mundial. A comparação do poder bélico entre os dois países era tão desproporcional que chegava a lembrar a imagem bíblica do pequeno Davi enfrentando Golias. Segundo o jornal El Pais, a movimentação recente das tropas russas traduz uma inflexão na trajetória de guerra. Embora tenham infligido danos gravíssimos aos ucranianos, os russos estão sofrendo enormes perdas humanas e materiais, “um fracasso militar de grande envergadura, uma coisa impressionante”, segundo o analista François Heisbourg. “Observamos grandes perdas, falhas de comunicação, de logística, sinais de corrupção. Estão precisando recorrer a mercenários”, afirma Ruth Dayermond, acadêmica do Departamento de Estudos de Guerra do King’s College, especializada em segurança na era pós-soviética.
A impressão é que o exército russo, diante do desastre da estratégia de ataques simultâneos em várias frentes e da inesperada resistência ucraniana, está reorientando sua ação para consolidar a conquista ao sul, chegando até a Crimeia, bloqueando o acesso ao Mar Negro por onde passa grande parte das exportações ucranianas, e emendando esta vasta área com o território ocupado a leste. As tropas invasoras fariam um extenso cinturão de proteção das fronteiras russas e poderiam comemorar uma vitória mais modesta, um trunfo para forçar um acordo menos desfavorável na mesa de negociação. Os dados não deixam de expor a fragilidade do exército russo, inimaginável antes da invasão. Diante deste fiasco, Putin teve que recorrer ao bombardeio sistemático, ao uso da crueldade do Esquadrão Wagner, composto majoritariamente de mercenários, e ao assassinato em massa de cidadãos indefesos. Nada a se orgulhar do conflito que tende a se arrastar.
Do Leste europeu vem outra notícia preocupante: a vitória de Orbán na disputa presidencial na Hungria. O presidente húngaro consolida a trajetória política autoritária como expoente internacional da direita. Tem usado o regime “democrático” para corromper, por dentro, as instituições democráticas. Não é sem razão a admiração de Bolsonaro, que fez questão de fazer uma escala não programada em território húngaro para tirar uma foto ao lado do “amigo”, na volta da recente viagem à Rússia.
A chamada “terceira via” mostrou a que veio, na semana passada. Foi um show de idas e vindas de Moro, Dória e Eduardo Leite e que levaram a lugar nenhum, ao pouco que representam no cenário político nacional de hoje. Essas candidaturas não passam de tentativas desesperadas das forças de direita, que apoiaram Bolsonaro e que buscam uma alternativa de poder menos vergonhosa. É preciso desmascarar de vez a “terceira via”: trata-se de uma versão pretensamente “mais civilizada” do mesmo projeto neoliberal, cujas políticas e resultados conhecemos bem. Farinha do mesmo saco da direita. Grande parte deste agrupamento não hesitará em voltar a apoiar Bolsonaro.
Depois de se recusar a usar tornozeleiras e se refugiar da PF no Congresso, aproveitando para proferir desaforos ao STF, o deputado Daniel Silveira (União Brasil-RJ) foi recebido por Bolsonaro e finalmente se rendeu à pressão das multas impostas pelo ministro Moraes. O magistrado recebeu elogios, a Câmara dos Deputados foi criticada por servir de covil ao bandido.
E por falar em escândalo, assistimos a pelo menos a outros três na semana passada. Depois de tantas evidências em contrário, a Policia Federal encerrou o inquérito e concluiu não haver indícios de que Bolsonaro interferiu para proteger aliados e familiares ao trocar o comando do órgão. O governo federal foi acusado de usar pareceres da AGU para manter a mineração ilegal em terras indígenas ainda não demarcadas. O ex-ministro da Educação Milton Ribeiro confirmou em depoimento prestado à Polícia Federal que o presidente pediu que recebesse os pastores suspeitos de atuarem no balcão de negócios instalado na pasta para liberar verbas do FNDE (Fundo Nacional do Desenvolvimento da Educação). E Bolsonaro ainda se gaba de que no seu governo não há corrupção!
E mais um golpe parece estar sendo gestado nos gabinetes do Congresso: a elaboração do projeto para mudar o sistema de governo para o semipresidencialismo. A ser usado, just in case! Essa história conhecemos bem, não?