A atuação do governo brasileiro no plano internacional foi intensa nas duas últimas semanas. Lula fez a tradicional primeira visita à Argentina, onde reforçou laços de cooperação e o discurso de retomada de relações na América Latina. Lançou a ideia de uma “unidade de conta” a ser usada para facilitar o comércio entre os países, prejudicado pelas restrições de divisas da Argentina. A proposta foi confundida com uma moeda única e chegou a ser satirizada na mídia brasileira como “sur real”. Uma estratégia melhor traçada teria evitado o pequeno desgaste que não chegou a ofuscar o brilho da viagem. Ao contrário, além das relações entre governos, Lula aproveitou para se encontrar com as madres da Praça de Maio, um evento carregado de simbolismo.
Na sequência, participou da 7ª Cúpula da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac), evento saudado pelo presidente chinês Xi Jinping. O documento final enfatizou questões como a recuperação econômica pós-pandemia, segurança alimentar e energética, estratégia em saúde, cooperação em meio ambiente, ciência e tecnologia, transformação digital, infraestrutura, entre outros. Lula terminou a viagem com uma visita ao Uruguai, onde tentou dissuadir o presidente Lacalle Pou do acordo bilateral com a China para fortalecer as negociações em curso do acordo entre a União Europeia e o Mercosul. Aproveitou ainda para visitar o amigo Mujica e tirar uma foto com ele em seu icônico fusca.
A retomada da atuação do Brasil no cenário internacional teve outro momento expressivo com a vista ao país do chanceler alemão, Olaf Sholz. A agenda de debate envolveu questões de fundo: combate às mudanças climáticas, acordo entre Mercosul e União Europeia, a invasão russa na Ucrânia. A agenda futura promete: visita de Lula aos Estados Unidos, convite a Macron para visitar o Brasil.
Foram também destaque na mídia internacional a maior greve em 11 anos no Reino Unido, com paralisações em diversos setores, unidos pela reivindicação por melhores salários frente a uma inflação de 10,5%, assim como a continuidade das manifestações na França contra a reforma da previdência defendida pelo governo.
As vitórias de Lira para a presidência da Câmara e de Pacheco para continuar presidindo o Senado foram os últimos fatos relevantes para Lula começar, de fato, a governar, depois de superadas a crise militar e a tentativa de golpe em 8 de janeiro. A votação obtida por Lira (464 votos) foi a maior da história. Demonstrou habilidade para construir alianças, manteve a dependência de Lula em relação ao Centrão. Embora tenha dito que o passado é página virada – relação estreita com Bolsonaro, queda de braço e derrota para Lula na questão do orçamento secreto – saiu empoderado para reivindicar mais espaço no governo. Lula teve que jogar peso para assegurar a eleição de Pacheco no Senado, que enfrentou Rogério Marinho/PL, em torno do qual se aglutinou a oposição bolsonarista em mais uma, mas não a derradeira aventura.
O 8 de janeiro teve desdobramentos com a continuidade das ações para apurar e punir os responsáveis, colocar relações no eixo. A troca de comando do Exército foi um recado de quem está no comando. A afirmação de Paiva de que “ninguém está acima da lei” sinalizou que os que participaram da tentativa de golpe serão enquadrados no rigor da lei. A limpeza dos militares dos órgão de governo continua, embora em ritmo lento. O ministro da Justiça apresentou o pacote anti-golpe e o poder judiciário entra na terceira etapa da operação lesa-pátria. Novos inquéritos foram abertos pelo ministro Alexandre de Moraes. O cerco aos golpistas começa a se estreitar, apesar do depoimento insípido de Anderson Torres à polícia federal. Levantamento de dados apontam para os “engenheiros do golpe” e chegam perto de Bolsonaro, cuja situação tende a se complicar com a prisão de Daniel Silveira e as denúncias do senador Marcos do Val de mais uma tentativa de golpe feita por Bolsonaro, consideradas gravíssimas pelo ministro da Justiça.
Os sinais são duros na economia. Segundo matéria publicada na imprensa nacional, “novos indicadores globais mostram que o Brasil caminha na contramão das principais economias que enfrentaram problemas inflacionários e estruturais nos últimos anos. Enquanto Estados Unidos, zona do euro, Japão e emergentes como Índia projetam desaceleração nos preços em 2023 (ou estabilidade, como China) sem um choque maior de juros, as previsões no Brasil têm piorado sistematicamente”. A decisão do Copom de manter a taxa Selic por ainda um longo período foi recebida com desapontamento por parte do governo. Foi vista por alguns setores como sabotagem para levar o país rumo à recessão. A crise das Lojas Americanas revelou a desfaçatez com que agentes econômicos operam no mercado, deixando trabalhadores à mercê da própria sorte.
A tragédia dos Yanomami, cujas detalhes escandalizam o mundo, começou a ser encarada com pulso mais forte a partir da decisão de Lula de expulsar os garimpeiros das terras indígenas e pôr fim à extração predatória de minérios que junta, numa ponta, a máfia do garimpo e deserdados da terra e, na outra, grandes empresas mineradoras nacionais e estrangeiras. A conferir se pau que bate em Chico bate também em Francisco.