As cenas de afegãos em desespero para abandonar o país, comprimidos sob os muros de proteção do aeroporto internacional de Cabul, de crianças sendo resgatadas para dentro do local por soldados americanos, o atentado de autoria do Estado Islâmico que matou dezenas de pessoas, entre elas treze membros do que restou das tropas de ocupação estadunidenses e, especialmente a imagem de Biden na coletiva à imprensa, abatido e desolado, num momento de extrema fragilidade, circularam mundo afora, dando o tom do desastre da política de intervenção dos Estados Unidos no Afeganistão e do drama dos cidadãos que se sentem ameaçados pelo novo regime do Talibã.
Biden será lembrado e cobrado, por muito tempo, pelo desastre e incompetência, embora tenha herdado os resultados de uma política errática de governos anteriores. Sua imagem de abatimento reflete o debacle da potência norte-americana e está longe daquela que tentou mostrar ao mundo, quando afirmou confiante: “Os Estados Unidos estão de volta”.
No plano nacional, assistimos na última semana ao desdobramento da crise do governo Bolsonaro, que continua mantendo o mesmo padrão: o presidente reage a contínuos reveses com ameaças e discurso radicalizado, incitando velada ou ostensivamente ao golpe, enquanto as instituições e a sociedade reagem, nem sempre com eficácia, em defesa da democracia ou se movimentam para botar panos quentes e não tensionar ainda mais o cenário político, havendo sempre aqueles que aproveitam a oportunidade para, no meio da crise, defender os próprios interesses.
O presidente sofreu mais uma derrota, já esperada, quando Pacheco engavetou seu pedido de impeachment do ministro Alexandre de Moraes. O Senado que mostrou certa firmeza ao recusar a demanda do capitão, por inconsistência técnica do ponto de vista jurídico e também por razões políticas, foi o mesmo colegiado que aprovou a recondução de Aras ao comando da PGR, mesmo havendo evidências de sobra que usou o cargo para proteger e não para questionar, como é seu dever, os inúmeros erros e crimes cometidos pelo presidente. As mudanças introduzidas por Aras no combate à corrupção deram segurança a muitos membros da Casa, que se sentiram aliviados por estarem com o rabo preso. A reciprocidade não surpreendeu.
A CPI continuou aprofundando a investigação sobre a rede de corrupção instalada no Ministério da Saúde, revelando à sociedade dados estarrecedores da intrincada malha envolvendo funcionários públicos, militares da reserva e da ativa que se assenhoraram do ministério, políticos, entre eles o líder do governo no Congresso, empresas de fachada e contratos fraudulentos.
Governadores se reuniram para discutir a crise e buscar saídas, além de projetos de interesse comum. Sinalizaram ao presidente a intenção de abrir o diálogo para apaziguar os ânimos entre os poderes, mas foram desencorajados. Bolsonaro não pretende lhes dar espaço político e nem tem interesse em resolver a crise. Ao contrário, continua retesando a corda e apostando no confronto.
As atenções se voltam para as manifestações de 7 de setembro. Os bolsonaristas inverteram o discurso, mas não a estratégia: da incitação ao golpe passaram a criticar aqueles que atuam “fora do quadrado da Constituição”. Substituíram palavras de ordem anteriores com mensagens anticonstitucionais e autoritárias por palavras de ordem que dão um verniz democrático às manifestações. O STF, o TSE (Tribunal Superior Eleitoral), a imprensa e a oposição são apontadas como os atores que “extrapolam as regras democráticas em nome de uma operação de perseguição ao presidente”. Em outras palavras e seguindo ao roteiro de construção da ideologia, invertem os papeis e encobrem a realidade: o perseguidor vira vítima, o agressor torna-se agredido, aquilo que pretendem destruir aparece como objeto a ser salvo.
Os protestos estão sendo vistos como “mais um passo na escalada da crise institucional alimentada por Bolsonaro e buscam dar uma demonstração de força do mandatário, em meio a sinais que apontam para o risco de tentativa de ruptura institucional”.
Partidos temem um Bolsonaro ainda mais autoritário, depois de 7 de setembro. Segundo analistas, a adesão às manifestações será um divisor de águas para testar a força do presidente: “Se forem grandes, podem legitimar os ataques que ele tem feito ao STF (Supremo Tribunal Federal) e levá-lo a reforçar o discurso contra as instituições, podendo, inclusive, insistir no voto impresso, já derrotado pelo plenário da Câmara”. A conferir.
As manifestações servirão também para identificar, depois de muitas deserções, quem ainda continua apoiando o capitão. A matéria divulgada pelo Intercept mostra que nessa base de apoio continua expressiva a participação do agronegócio, embora o setor esteja dividido; mantêm presença forte os evangélicos, policiais militares, setores da classe média, entre outros.
Uma das poucas notícias positivas foi que a média móvel de mortes apresentou, nesta semana, uma tendência de queda, depois de permanecer por muitos meses em alta e em estabilidade. Mas foi contraposta ao alerta que vem do Rio de Janeiro, onde o número de infectados pela variante Delta da Covid vem crescendo de forma preocupante.
Lula colheu resultados expressivos em suas andanças pelo Nordeste, conseguindo fragmentar as bases bolsonaristas. Enquanto isso, os partidos de centro direita que procuram construir a chamada terceira via estão tendo que lidar com bolsonaristas em suas fileiras e com dificuldades para compor alianças regionais.