Duas questões foram destaque na mídia nacional na semana passada. A primeira, diz respeito a mais uma investida de Bolsonaro contra o resultado das eleições, desta vez envolvendo o PL na ridícula tentativa de anular o segundo turno, alegando irregularidade em número significativo de urnas eletrônicas (mais de 279,3 mil urnas teriam apresentado problemas crônicos de desconformidade irreparável no seu funcionamento). A insistência na estratégia golpista seguiu conselhos recebidos diretamente de Trump e de seu mentor político Steve Bannon, conforme foi noticiado. Esperavam que o questionamento recebesse o apoio de uma ampla paralisação de caminhoneiros, vindo a reforçar as manifestações em frente aos quartéis, o que acabou não acontecendo, a não ser atos localizados de verdadeiro terrorismo nas estradas.
A resposta contundente do ministro Moraes, questionando a inconsistência da denúncia do PL, ao qual impôs pesada multa por agir de má fé, desmoralizou a tentativa desesperada de Bolsonaro e isolou politicamente seu partido. Mourão, o vice-presidente, e o líder do governo no congresso afirmaram que a tentativa golpista não vingaria. Apesar do fiasco, é necessário manter a vigilância em relação a Bolsonaro e aos militares, como alerta o cientista político Marcos Nobre, professor da Unicamp: “Bolsonaro está sempre preparando um golpe e não podemos baixar a guarda”.
A segunda questão está relacionada às dificuldades enfrentadas no processo de transição, particularmente os nós que ainda precisam ser desatados para aprovar a PEC que visa excluir gastos socais do teto de gastos. Para além dos questionamentos suscitados – quatro anos de duração a isenção, erros na condução da negociação no parlamento ou falha na estratégia que devia ter arrumado a casa, apontando desde já o ministro da Economia (ou da Fazenda) e costurando as alianças para obter maioria no parlamento – essas dificuldades já prenunciam os desafios do futuro governo Lula.
Há duas pressões muito grandes no momento, uma vinda do mercado, vigilante em relação ao equilíbrio fiscal, e outra vinda do Congresso que tende a defender o protagonismo em relação ao orçamento (as emendas de relator ou o orçamento secreto, que tiram capacidade de investimento do governo e a transfere para congressistas). A primeira levará Lula a uma das mais difíceis escolhas: colocar no ministério da Fazenda um político que entenda de economia, mas não se curve às pressões do mercado, ou um economista que tenha o aval do mercado e que busque o difícil equilíbrio entre estabilidade fiscal e as inadiáveis demandas de proteção social.
A pressão por desatar o nó da chamada PEC da Transição parece estar definindo o rumo da segunda questão, levando o PT a apoiar a reeleição de Lira para a presidência da Câmara, apoio condicionado ao compartilhamento da estrutura de poder na casa (comando de comissões, como a poderosa CCJ).
O chamado inchaço da Comissão de Transição, também destacado pela mídia, deve ser visto com cuidado. De um lado, é através dos GTs que a sociedade organizada é representada na transição ao ser feito o diagnóstico de cada setor e ao serem apresentadas propostas para futuras politicas de governo. Na área da saúde está sendo defendido um “revogaço” das normas e orientações elaboradas na gestão de Jair Bolsonaro. Não deixou de causar preocupação a declaração de Alckmin: “Não tem nenhuma reforma a ser desfeita. […] A reforma trabalhista é importante. Não vai voltar imposto sindical e legislado sobre acordado. Não vai.” Parece não estar informado sobre as reais demandas das Centrais Sindicais, que não pleiteiam a volta do imposto sindical, mas liberdade de organização e a transição para uma nova estrutura sindical, assegurada por um processo de autorregulação. Demanda que requer a revogação de pontos da antirreforma trabalhista de Temer e a revisão de outros.