A guerra da Ucrânia completou um ano nesta semana sem desfecho à vista no horizonte. Analistas estimam um cenário sombrio e prolongado de conflito. A data foi precedida de manifestação simbólica de força dos dois lados, configurando o que os analistas também chamam de “guerra de ruídos”. Biden fez uma visita surpresa a Kiev, reafirmando o apoio do Ocidente – diga-se OTAN – aos ucranianos, não sem antes avisar Putin, o que relativiza o ponto de vista daqueles que apontaram a visita como um desafio a Moscou. Entre os pontos da agenda, a aposta na “operação primavera”, intensificação da ação militar visando retomada do território ocupado na próxima estação. Putin, por sua vez, anunciou que Rússia não fará parte do novo Tratado de Redução de Armas Estratégicas, conhecido como Novo Start. Retomou as ameaças veladas de uso de armas nucleares para defender o território russo, na eventualidade de avanço das tropas ucranianas, equipadas pelo Ocidente, sobre as províncias ocupadas.
No campo diplomático, houve também intensa movimentação. A ONU aprovou a quarta resolução sobre o conflito. O documento traz um trecho sugerido pelo Brasil, que faz um “apelo” a uma “cessação de hostilidades”. No mesmo parágrafo, os países “reiteram suas demandas para que a Rússia imediatamente, completamente e incondicionalmente retire todas as suas forças militares do território ucraniano dentro das fronteiras reconhecidas internacionalmente”.
A proposta China para o fim do conflito, apresentada nesta semana, foi vista com desconfiança pelas potências ocidentais, mas o ministro das relações exteriores ucraniano considerou vários pontos positivos no documento. Zelensky respondeu ao aceno de Lula para uma negociação de paz envolvendo países não diretamente envolvidos no conflito, marcando uma conversa para a próxima semana. A ideia está sendo analisada também por Putin. As iniciativas diplomáticas vindas do chamado Sul Global, levaram o historiador britânico Timothy Garton Ash a afirmar que o “Ocidente fará bem se tratar Índia, Turquia, Brasil e outras potências comparáveis como novos sujeitos soberanos, em vez de objetos a serem forçados ao lado certo da história”.
Apesar das iniciativas, prevalece a opinião de que “as coisas ainda vão piorar muito antes de poder melhorar”. Por trás da linguagem cifrada, a expectativa de que a ofensiva ucraniana na primavera colocará Kiev em condições favoráveis de negociação com Moscou. Manter os territórios ocupados é uma questão de segurança nacional, além de ser uma questão e honra para Putin. Poderá fazer uso de armas nucleares para evitar a derrota. Caso isso ocorra, o conflito será elevado para outro patamar, com risco de se generalizar. Segundo analista, enquanto isso, “um incógnito mundo vai sendo moldado pela guerra, da nova política energética europeia ao militarismo redivivo no Japão, como é usual na história humana”.
Tornando o cenário ainda mais sombrio, temos os números estarrecedores da guerra: aumento das forças militares na Rússia, de 900 mil para 1.150 mil e na Ucrânia de 196 mil para 688 mil; estimativa de baixas militares de 100 a 180 mil russos e cerca de 100 mil ucranianos; 40 mil civis mortos; 30% do território ucraniano com campos minados; estimativa de 65 mil casos de crimes de guerra; 5 milhões de refugiados; 5 milhões de deslocados internos; queda do PIB de 2,5% na Rússia e de 35% na Ucrânia. Além da elevação internacional dos preços de alimentos, petróleo e gás, desencadeando o crescimento generalizado da inflação (estimativa de 10% na Alemanha em 2022, a título de exemplo).
No plano nacional a tragédia ambiental no litoral norte de São Paulo projetou uma sombra sobre as comemorações do carnaval, expôs a fragilidade da política de prevenção a eventos climáticos extremos na região, onde a insegurança é conhecida de longa data (tragédia de 1974 em Caraguatatuba), além de ter exposto um quadro sinistro de “apartheid residencial”. As vítimas moram em encostas inseguras, para onde foram deslocadas pela especulação imobiliária, reproduzindo um padrão que não é exclusivo da região. A pronta reação do governo federal, com a presença de Lula no local da tragédia e o acerto de uma ação articulada envolvendo o governo nacional, estadual e municipal foram mais uma demonstração de que estamos diante de um novo momento político. Analistas chegaram a ver na ação sincronizada de Lula com o governador de São Paulo o sinal de um enfraquecimento do próprio bolsonarismo.
Outra questão que chamou a atenção foi a reação armada de garimpeiros à ação do governo para que deixem as terras ocupadas ilegalmente na reserva Yanomami. O fato deixou claro que os criminosos partiram para o confronto. Sabem que têm o respaldo de forças poderosas nos municípios, no estado de Roraima, no Congresso Nacional, além de escritórios na Faria Lima. Ou seja, a máfia que financia a exploração predatória de minérios e “esquenta” o ouro comercializado ilegalmente no país e no exterior é mais complexa do que se imagina. Ouve-se se dizer da possibilidade de o governo usar a GLO (Garantia da Lei e da Ordem) para botar ordem no coreto. A conferir se a ação chegará a tanto e se pegará gente graúda, além da arraia miúda.
De resto, a vida política ganha intensidade mesmo depois do carnaval, particularmente no Congresso. O governo, de olho no andamento da reforma tributária, deve ficar atento à possibilidade de levar by-pass de Lira, notícia cantada pela mídia na semana que passou.