A principal notícia no plano internacional com impacto na conjuntura nacional foi a participação do presidente Lula na reunião de cúpula do Brics, realizada em Joanesburgo, na África do Sul. A crítica do Financial Times ao evento e às posições assumidas pelo presidente brasileiro serviram de guia para a mídia nativa questionar a subordinação do Brasil aos interesses chineses, “virando as costas para o Ocidente”, e a perda relativa de influência dentro do próprio bloco para a Índia e a China.
O ingresso de novos membros do grupo – Argentina, Egito, Irã, Etiópia, Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos – seguiu a linha defendida pelo Brasil de se levar em conta critérios de representatividade geográfica e de relevância das nações emergentes em um cenário internacional em constante evolução. O novo bloco representa 40% da economia mundial, além de conferir ao chamado Sul Global considerável influência como afirmou Lula: questões envolvendo geopolítica devem passar também pelo Brics e não apenas pelos Estados Unidos e o G7. Isto deve ser visto como conquista e reafirmação de um ator que reivindica o papel de global player, contestando o monopólio de poder pelo bloco de países ocidentais hegemonizado pelos Estados Unidos e lastreado na força do dólar como moeda de troca nas transações internacionais.
Como afirmou o cientista político José Luís Fiori: “A reunião de Joanesburgo não criou uma nova moeda nem discutiu abertamente a criação dessa moeda. Mas de forma discreta antecipou a substituição do dólar nas transações energéticas entre os países membros do grupo e desses países com todas as suas “zonas de influência”. Isto não é pouca coisa. Ao contrário, “talvez seja o maior golpe desferido até hoje contra a hegemonia do dólar, desde os Acordos de Bretton Woods, em 1944, e desde o grande acordo firmado entre os Estados Unidos e a Arábia Saudita, logo depois da II GM, quando ficou estabelecida e garantida a intermediação do dólar, em todas as grandes operações do mercado mundial do petróleo”.
O caminho para consolidar essa posição não será simples. Além da reação daqueles que se sentem confrontados nas relações de poder no cenário internacional, existem questões a serem administradas no interior do próprio Brics envolvendo interesses estratégicos.
Lula aproveitou a viagem para visitar a Angola e retomar projetos de cooperação negligenciados desde o governo Dilma. Marcou posição ao questionar a forma de pagamento das dívidas dos países africanos com o FMI e ao reafirmar sua politica de combate às desigualdades sociais. A bandeira assegura-lhe visibilidade nos países do continente, especialmente quando relacionada ao combate ao legado da escravidão e a promover a inclusão social e a igualdade racial no Brasil.
Eleições presidenciais em diversos países da América Latina confirmam a disputa entre forças de esquerda e de extrema direita. Na Guatemala, Bernardo Arévalo, do Movimento Semilla, de centro-esquerda, foi eleito presidente com 58% dos votos. No Equador, a disputa no segundo turno se dará entre Luisa González, a candidata do movimento Revolução Cidadã, e o candidato de direita, o empresário Daniel Noboa/Ação Democrática Nacional. Em plebiscito no primeiro turno, os eleitores equatorianos reprovaram a exploração do petróleo na Amazônia e a da mineração nas encostas da Cordilheira dos Andes. Nas primárias ocorridas na Argentina, venceu o candidato “anarco-capitalista” Javier Milei, da coalizão La Libertad Avanza, com uma agenda política no mínimo estapafúrdia. O candidato peronista e atual ministro da Fazenda ficou em terceiro lugar.
O cenário nacional continuou contaminado pelas notícias envolvendo a apuração dos crimes relacionados à venda de joias por parte de Bolsonaro e seu envolvimento na tentativa de golpe em 8 de janeiro. O cerco vai se fechando devagar. Nos bastidores, rola a informação de que se busca um acordo com os militares, no sentido de punir aqueles que tiveram participação efetiva nos atos golpistas – parte deles, pelo que se diz – e limpar a imagem das forças armadas, arranhada no episódio e pela relação mantida com o governo Bolsonaro.
Está sendo construída uma nova anistia aos militares visando manter a estabilidade do governo e evitar atritos que poderiam surgir da relação tensa entre as partes. Segundo analista, ao escolher esse caminho, o governo “está pagando um preço elevado, perpetuando um ciclo de impunidade que pode ter sérias implicações para a justiça e a responsabilização por atos passados”.
Este vem a ser mais um elemento da transição conservadora que o governo Lula vem sendo levado a fazer por ainda estar negociando no Congresso as bases da governabilidade, cedendo espaço para forças de direita no próprio governo, e por não contar com a pressão, a seu favor, da ação mobilizadora dos movimentos sociais que continuam em estado letárgico, segundo o próprio presidente Lula.