“É assim que ditadores eleitos como Bolsonaro destroem a democracia desde dentro. Se os instrumentos democráticos e as instituições que os representam são incapazes de impedir alguém como Bolsonaro de discursar sem vacina, presencialmente, na ONU, para que servem? Do mesmo modo, se tudo o que as instituições brasileiras conseguem produzir são (mais) discursos sobre como Bolsonaro envergonha o país, em vez de usar os instrumentos democráticos previstos na Constituição para impedi-lo de seguir governando, para que servem, então?” Eliane Brum
Dois fatos repercutiram na mídia internacional, com sinalização oposta. A primeira foi o discurso mentiroso de Bolsonaro na abertura da Assembleia Geral da ONU, onde também fez a defesa do tratamento precoce e se posicionou contra a vacinação. Foi ridicularizado como canastrão da política e pária do mundo. A outra foi a despedida de Merkel depois de 16 anos ano poder, a figura emblemática de estadista que enfrentou e liderou o processo de superação de crises que abalaram o sistema capitalista, que demonstrou empatia e compaixão pelos imigrantes, mesmo que isto lhe tenha custado caro, e que é e continuará sendo reverenciada como a Mutti, nome carinhoso para mãe, dos alemães. Diante do empate técnico entre o SPD e CDU, ela deverá continuar no poder como interina, até se chegar à coligação que governará o país.
Essa empatia e compaixão faltou ao governo Biden ao tratar os imigrantes haitianos. As cenas dos policiais texanos a cavalo girando no ar o couro da rédea e chicoteando haitianos, que tentavam entrar nos Estados Unidos na fronteira com Del Rio, chocaram o mundo. Apesar de o presidente ter repudiado as ações, afirmando que não ficarão impunes, as cenas lembraram o passado escravocrata, algo mais profundo, sinistro e estrutural na sociedade norte-americana.
A notícia da iminente insolvência da Evergrande abalou o mercado mundo afora, despertando temores de uma nova crise em escala global. Segunda incorporadora imobiliária da China, com passivos de 305 bilhões de dólares, o equivalente a cerca da metade do registrado pelo Banco Lehman Brothers quando quebrou na crise de 2008, não será socorrida inapelavelmente pelo governo chinês. Embora tenha injetado vultosas somas no sistema financeiro para amenizar o abalo provocado pela gestão duvidosa da empresa, não há uma solução à vista, ainda. Especula-se que a contrapartida da ajuda do governo será a completa reestruturação da empresa, eventual divisão e troca de comando.
Voltando à passagem de Bolsonaro por Nova York, onde não foi bem-vindo e chegou a ser objeto de protestos e chistes, há algo mais profundo e simbólico, para além do fato de ter feito um discurso mentiroso e arrogante, voltado mais para seu cercadinho em frente ao Planalto do que para os governantes presentes na Assembleia. Segundo Eliane Brum, ele “debochou da democracia em palco global, teve suas mentiras traduzidas em várias línguas e voltou para casa aclamado por seus seguidores pela sua autenticidade e coragem de afrontar a parte do planeta que despreza”.
As perguntas que ficam presas na garganta são as mesmas feitas por Brum, colocadas mais acima em destaque. Sobre elas devemos continuar refletindo, enquanto se luta para desalojar Bolsonaro do Planalto. Uma notícia divulgada na semana sobre quem está por trás do famigerado pacote anti-ambiental revela a elite do atraso que o segura no poder, a mesma elite que tem interesses entrelaçados com o capital internacional: Gerdau, uma das maiores empresas do Brasil; 99, Airbnb, Braskem, JBS, Localiza, Suzano, Toyota, Telefonica, GOL, Itaú, Farma Brasil, além de gente do alto escalão da Globo. Representantes de algumas dessas empresas só o criticam “da boca prá fora”. Entre as gigantes internacionais estão: Microsoft, Amazon, Motorola, Huawei, SAP e Google. Ou seja, têm nome, CNPJ ou CPF, endereço e não são pouca coisa!
Não tem como discordar de Brum, ao afirmar: “Bolsonaro está onde está porque as corporações e os governos que as representam ainda faturam e têm vantagens com ele na presidência. Bolsonaro está onde está porque grande parte do empresariado brasileiro, assim como dos especuladores, acredita que ainda pode obter mais lucro com ele no poder do que fora dele. (…) Bolsonaro é produto das deformações de uma democracia que nunca alcançou as camadas mais desamparadas da população e é produto do cinismo do capitalismo liberal”.
Apesar isso, nem todos os ventos estão a seu favor. A inflação de setembro foi a pior desde o lançamento do Plano Real. A CPI da Covid avança em direção ao relatório final, apontando crimes de responsabilidade que deverão ser apurados pelo Ministério Público e pela Polícia Federal, a exemplo do que está sendo feito em São Paulo com a criação da força tarefa para investigar a Prevent Senior. Segundo Aziz, “Aras não vai matar a bola no peito”, numa alusão a eventual engavetamento do relatório.
Haverá esperança, enquanto persistir a ousadia e criatividade na ação como a invasão da Bolsa de Valores pelo MTST e a Frente Povo Sem Medo – “Ocupamos a bolsa de valores de São Paulo, maior símbolo da especulação e da desigualdade social. Enquanto as empresas lucram, o povo passa fome e o trabalho é cada vez mais precário. Quem segura o Bolsonaro lá são os donos do Mercado!” – e enquantopersistirem as iniciativas para botar o povo na rua. Vêm aí as manifestações de 02 de Outubro e de 15 de Novembro.