“Flávio Bolsonaro proclamou alegremente que seu pai, Jair Bolsonaro, deve ter reagido às acusações da CPI da Covid com uma gargalhada. Reproduziu a dita gargalhada para as câmaras e acrescentou: ‘Não tem que ser diferente disso’ “. Ruy Castro
“O Auxílio Brasil destrói exatamente as características que tornaram o Bolsa Família o maior, o melhor e mais eficiente programa de transferência condicionada de renda do mundo”. Tereza Campello.
As citações acima estão diretamente relacionadas aos principais fatos políticos ocorridos na semana que se encerrou no dia 24 de outubro. A desfaçatez com que o senador e filho do presidente comenta os resultados da CPI da Covid pressupõe a quase certeza de que seu pai não será punido pelos gravíssimos crimes cometidos no enfrentamento da pandemia. Escolheu a dedo (ou à la carte, por desconsiderar a lista tríplice de candidatos selecionados por mérito no interior do próprio MP) o procurador geral da República, mantido no cabresto “sob a possibilidade de nomeá-lo para o STF”. Na outra ponta, a quem o relatório final também deverá ser entregue, o presidente da Câmara dos Deputados, Bolsonaro sabe que pode contar com a fidelidade canina de Lira, que ameaça da boca para fora de “acionar o botão amarelo” que desencadeia o processo de impeachment, mas que não o fará enquanto o centrão continuar no comando do governo e usufruindo de suas benesses.
Com o propósito de ofuscar a CPI, Bolsonaro armou novamente o circo, desta vez para anunciar o substituto do Bolsa Família: o Auxílio Brasil. A cerimônia foi desfeita meia hora antes do previsto, para botar ordem no coreto. Bolsonaro discordou do valor de R$300,00 proposto para o benefício. Escaldado pelas críticas à trajetória tortuosa do Auxílio Emergencial, cujo último valor ficou longe de lhe render os dividendos eleitorais esperados, insistiu em R$ 400,00, mesmo sabendo que a proposta provocaria a quebra do teto de gastos. “Convenceu” Guedes (que afirmara há pouco que pobre deve sobreviver com os restos da classe média) a defender a proposta, desencadeando a reação em cadeia do mercado: o dólar disparou, a Bolsa de Valores caiu, o Risco Brasil subiu, os ativos brasileiros no exterior despencaram, a projeção e juros futuros deu um salto. Enfim, a tempestade perfeita para uma economia combalida e totalmente refém do mercado (diga-se, do capital financeiro e do rentismo). Analistas apontam um cenário futuro de aprofundamento da crise econômica, com novo período de recessão, longe da propalada retomada do crescimento. A conferir.
Ao afirmar que o Auxílio Brasil destrói o que o Bolsa Família tem de melhor, um projeto que articula quatro programas complementares, condicionando o repasse de recursos a ações que resultam na melhoria das condições de vida dos beneficiados, a ex-ministra Tereza Campello detona o novo programa social do governo, que troca o que deu certo por propostas desconexas, sem chance de vingar, seja pela natureza dos subprogramas envolvidos, seja pela linha errática de gestão centralizadora. Os problemas não param aí: os R$100,00 a mais bancados por Bolsonaro serão válidos apenas para 2022, uma jogada meramente eleitoreira.
Guedes, que já estava em processo de fritura, saiu ainda mais desgastado com a debandada de assessores que ocupavam postos chave no ministério da Economia. Preferiram deixar o barco para salvar o que lhes resta de biografia. Quanto ao velho Posto Ipiranga, desacreditado e fustigado de todos os lados, restaram as palavras de conforto do chefe: “Sairemos juntos”.
Quem debochava da CPI, e indiretamente de mais de 600 mil mortos pela Covid, não deve ter notado que, no dia em que o relatório da CPI estava sendo lido, as referências negativas ao presidente Bolsonaro nas redes sociais chegaram a 77%. Motivo para gargalhar?
Lira continua passando o rolo compressor na Câmara, nem sempre com o resultado esperado. Foi derrotado na tentativa de aprovar a PEC do CNMP, mas conseguiu fazer avançar a PEC dos Precatórios. Porém, a aprovação não está garantida, o que pode comprometer programas do governo, entre eles o Auxílio Brasil.
Pacheco filiou-se ao PSD, fazendo o percurso que imagina o levará a ser um dos prováveis postulantes à representação da chamada “terceira via”. Coloco entre aspas para deixar claro que a manobra da direita neoliberal pode não dar certo e, neste caso, não está descartada a hipótese de voltar a apostar as fichas em Bolsonaro num segundo turno contra Lula.
A conferir: os caminhoneiros ridicularizaram a merreca oferecida pelo governo e continuam ameaçando com greve no início de novembro.