A semana teve início com a notícia do ataque ao Centro Internacional de Manutenção da Paz e Segurança, a cerca de 25km da fronteira da Ucrânia com a Polônia. Mísseis supersônicos russos, lançados de aviões, destruíram as instalações onde estavam sendo estocados armamentos enviados por países europeus e pelos Estados Unidos. O ataque, por ter sido muito próximo da fronteira de um país membro da OTAN, colocou o conflito em outro patamar, perigosamente perto do cenário mais tenebroso: a entrada de forças da OTAN no embate com a Rússia e o uso de armas nucleares.
Enfrentando uma resistência inesperada e problemas jamais imaginados do ponto de vista logístico e militar – dificuldade de deslocamento em solo pantanoso, escassez de combustível e de munição, falta de alimentos, despreparo da tropa, a destruição de tanques e comboios por pequenos mísseis lançados de drones e de lança-mísseis manuais – o exército russo avança pouco em direção a alvos estratégicos, particularmente a capital Kiev. Para encobrir e compensar o revés, o Kremlin tem optado por lançar, cada vez mais, misseis supersônicos de navios ancorados no Mar Negro que atingem com precisão os alvos, provocando o cenário de destruição, medo e revolta a que temos assistido nos noticiários. Diante da incapacidade de vencer em terra, onde a superioridade bélica das tropas invasoras não é mais incontestável, opta-se pela estratégia usada na Síria, em que a vitória foi comemorada sobre escombros. Os horrores da destruição de Alepo ecoam na memória quando assistimos ao bombardeio das cidades ucranianas.
Cerca de três milhões de ucranianos conseguiram fugir do país, outros milhões deslocam-se internamente em busca de lugar mais seguro ou enfrentam as agruras e incertezas dos corredores humanitários, cujo destino os leva inexoravelmente à Bielorrússia ou à própria Rússia, onde não sabem se serão tratados como refugiados ou como reféns. Há ainda milhões de outros que resistem em meio ao cenário de devastação, carecendo do mínimo essencial para sobreviver.
Enquanto permanece distante a solução negociada para o conflito – o Kremlin desmentiu anúncios que circularam na mídia ocidental de que havia avanços na mesa de negociação – crescem as pressões do Ocidente, particularmente dos Estados Unidos, para se manter o cerco econômico à Rússia. Desta vez, envolvem ameaças a empresas chinesas que descumprirem as sanções econômicas, e ao próprio governo chinês, se atender a pedido russo de ajuda material ou militar. Não se sabe se são ameaças verdadeiras. Soam como bravatas, considerando o bom senso de impedir o conflito transbordar perigosamente para o pior cenário e de não submeter a economia mundial a novos revezes, para além do impacto avassalador das medidas já tomadas.
A disputa pela narrativa do conflito ganhou novos capítulos na semana que passou. Putin encheu o estádio com apoiadores entusiasmados, ao menos aparentemente, com o discurso sobre a grandeza da Rússia e da missão civilizatória de seu exército. Os horrores da guerra e o fiasco de seus generais – alguns já perderam o posto – estão proibidos nos meios de comunicação interna, onde a população é bombardeada com mensagens edulcoradas sobre a operação militar para livrar os russos que vivem no país da perseguição nazista e impedir a ocidentalização da Ucrânia. Zelenky, por sua vez, fala para fóruns mais representativos do Ocidente, como o Congresso norte-americano, sobre a resistência do seu povo e a necessidade de mais apoio militar e humanitário. Fala também para os ucranianos, estimulando-os a não se renderem, valorizando seu heroísmo. Consegue extraordinária eficácia, pelo menos do ponto de vista moral.
A mídia ocidental transformou o ex-comediante em herói, e Putin no temido vilão. Não sem razão. Em fevereiro, o autocrata afirmara: “Para o nosso país, [a Ucrânia se aliar ao Ocidente] é uma questão de vida ou morte, do nosso futuro histórico como nação. Isso não é exagero, é um fato. Não é só uma ameaça bem real a nossos interesses, mas para a própria existência do Estado e de sua soberania.” Para defender a Rússia dessa pretensa ameaça, quem o impediria de usar armas nucleares – que deixou de prontidão – se aquelas usadas até agora não garantirem a rendição da Ucrânia?
Sergei Lavrov, o chanceler russo, afirmou que a Rússia não aceita a ideia de uma aldeia global hegemonizada pelos Estados Unidos. Num mundo multipolar, países como China, Índia, Brasil, parceiros no BRICS, além do México, não aceitarão ordens do xerife norte-americano. O objetivo do BRICS, ao ser criado o bloco, era de fato alterar a correlação de forças no plano internacional. Uma nova ordem mundial está sendo gestada e esse processo pode ser acelerado pela guerra na Ucrânia. Caberá ao futuro governo Lula o desafio de exercer no interior do bloco a pressão em favor da paz e em defesa da democracia.
Mais duas pitadas nessa síntese dos fatos ocorridos no plano internacional. A primeira é a notícia preocupante de novo surto da ômicron na China, com possibilidade de afetar negativamente a retomada da economia mundial. A segunda, diz respeito à América do Sul: depois de muito tempo, a esquerda parece ter chance de vencer as eleições presidenciais na Colômbia, um bastião do império norte-americano no continente.
No cenário nacional, as pesquisas eleitorais mostram Bolsonaro roubando votos de Moro, razão de seu crescimento em 2% das intenções de volto. O novo “pacote de bondades” que está sendo lançado (160 bilhões de reais em medidas sociais e eleitoreiras), poderá melhorar a situação em que vem diminuindo a vantagem de Lula. Assim esperam os bolsonaristas-raiz e aqueles de ocasião, os caciques do Centrão que dão a linha política no governo Bolsonaro. Lula mantém a dianteira nas pesquisas, o mesmo acontecendo com Haddad em relação à disputa pelo governo de São Paulo. Alckmin decidiu pela filiação ao PSB, mais um passo à formalização de vice na chapa encabeçada por Lula. Requião filiou-se ao PT, o que sinaliza uma candidatura competitiva da esquerda no Paraná. O ministro do Supremo e vice-presidente do TSE, Alexandre de Moraes, determinou a interdição do Telegram em território nacional, por desconsiderar demandas da justiça brasileira. A medida foi revogada, dias depois, ao serem acatadas as exigências para o aplicativo continuar operando no país.
Para reverter a escalada da inflação, o Copom elevou novamente a taxa de juros que atingiu 11,75%, para o desespero da enorme parcela de brasileiros endividados. O setor rentista agradece. A taxa de desemprego teve um leve recuo, caiu para 11,2%, mas o desemprego continua afligindo cerca de 12 milhões de pessoas.
Quem mandou matar Marielle? Depois de quatro anos, a pergunta continua sem resposta. Mais uma vergonha nacional.