Semana de 13 a 19 de fevereiro/2023
A rápida visita de Lula aos Estados Unidos continuou repercutindo na mídia nos primeiros dias da semana. A proposta de uma governança mundial do clima, que tire do papel as resoluções das inúmeras cúpulas sobre o meio ambiente, pesou mais na balança, pela ousadia e significado político da iniciativa, do que os minguados recursos do governo Biden ao Fundo Amazônico. Lula acabou cedendo aos EUA e aceitou uma linguagem mais dura à Rússia na guerra da Ucrânia, mas deixou claro que não participará de uma guerra-fria.
Aproveitou a oportunidade para lançar também a proposta de uma negociação pela paz, envolvendo a mediação de países não diretamente envolvidos no conflito. Outros global players não viram com bons olhos a iniciativa, seja por não reconhecerem no Brasil um ator qualificado para a complicada tarefa, seja por não considerarem a proposta isenta (focar no fim da guerra sem exigir a saída das topas russa do território ocupado favorece os interesses de Putin).
A viagem, além de reatar as relações que estavam estremecidas entre os dois países, recolocou o estadista brasileiro de volta no cenário internacional. E com um papel claro a desempenhar. A conferir os próximos movimentos envolvendo a China, a União Europeia e países africanos (Angola, Moçambique e África do Sul).
O embate do governo com o Banco Central continuou reverberando ao longo da semana. Setores dominantes na mídia criticam Lula por estar gastando capital político numa disputa onde tem tudo a perder, em vez de usá-lo para tocar o governo. Setores da esquerda consideram o confronto mais um round do embate com o bolsonarismo, que usa a instituição para minar a política econômica do governo.
Para além do confronto com o bolsonarismo, Lula está questionando os arautos do neoliberalismo, que fazem a defesa incondicional do receituário: equilíbrio fiscal a todo custo, taxas elevadas de juros e metas muito baixas de inflação.
Esse discurso precisa ser desconstruído. Foi interessante a matéria publicada pelo economista Lara Resende em que questiona a atual política monetária. Começa apresentando dados sobre os fundamentos sólidos da economia brasileira. No ano passado, tivemos superávit de R$ 126 bilhões, equivalente a 1,3% do PIB. A dívida pública bruta caiu 1,1% em proporção do PIB, para 73,5% e é muito mais baixa do que a dos países desenvolvidos e em linha com os países em desenvolvimento, mas com duas diferenças cruciais: é toda em moeda nacional, detida por residentes. O Brasil não tem dívida externa, só dívida interna, denominada em moeda nacional, além de ter quase 20% do PIB em reservas internacionais. Portanto, não faz sentido a afirmação de que a dívida pública é insustentável, estaria numa trajetória explosiva e o país à beira de um abismo fiscal.
Afirma, à guisa de conclusão: “Ou seja, independentemente dos dados e da realidade, decide-se que o risco fiscal é alto. Estipula-se que o risco fiscal determina as expectativas de alta da inflação e que a alta dos juros irá reverter o quadro. Como? Não fica claro, dado que a alta dos juros aumenta o serviço da dívida e agrava o risco fiscal. Pouco importa, todo mundo sabe que expectativas desancoradas provocam inflação e que juros altos controlam a inflação. Portanto, é preciso manter os juros altos, premiar os rentistas e inviabilizar os verdadeiros investimentos na expansão da capacidade produtiva, na infraestrutura e na descarbonização da economia”.
Lideranças do PT consideraram a taxa de juros ultrajante e a meta da inflação para 2023 inexequível. O tom conciliador do ministro Haddad, segundo Lara Resende, teria levado Lula a assumir a linha de frente na crítica à política monetária. Segundo pesquisa da Quest, 76% da população consideram sua posição correta. No entanto, o presidente teria sido aconselhado a deixar a briga com o Banco Central com os parlamentares.
Em entrevista no Roda Viva, Campos tentou amenizar o conflito, mas manteve-se irredutível em relação à meta de inflação e à taxa de juros. A afirmação de Haddad de que esses temas não estavam pautados na reunião do Conselho Monetário Nacional, na quinta feira (16), aumentou a expectativa em relação ao evento. Em mais um pronunciamento em tom conciliador, Campos Neto afirmou que é necessário dar mais atenção à questão social.
Haddad aposta na nova âncora fiscal e no plano apresentado para reduzir o déficit fiscal até o final do ano, criando condições para a redução da taxa de juros. Aposta também no avanço da reforma tributária nos próximos meses. Lira já está fazendo os primeiros movimentos para agilizar seu trâmite na Câmara. Essa conjunção de fatores criaria as condições para mudanças na política monetária. A conferir.
O anúncio feito pelo presidente do TSE de que a minuta do golpe encontrada na residência de Anderson Torres será incorporada nos autos do processo contra Bolsonaro por abuso de poder nas últimas eleições mostra que o cerco ao ex-presidente está se fechando, enquanto aumenta a chance de se tornar inelegível. O julgamento deverá ocorrer em breve e ser rápido. Há motivo: querem se antecipar ao mandato de Nunes Marques, que poderia protelar o julgamento.
Pré-aquecendo o debate da reforma tributária e esperando resolver a pendência antes que ela ocorra – deverá se dar em duas fases e se arrastar até o final do ano – os governadores cobraram do governo cerca de R$ 45 bilhões como compensação das perdas com ICMS, depois que limites de alíquotas entraram em vigor no ano passado. O governo propôs um repasse de R$ 22 bilhões. Lula não teve dificuldade de unir os governadores em defesa da democracia, mas quando a questão envolve interesses econômicos, a conversa tende a ser outra.
A questão militar continuou rendendo na semana que passou. Enquanto se aguarda se a punição pelos atos golpistas do 8 de janeiro se estenderá aos militares flagrados em ação e onde serão julgados – na justiça comum ou na justiça militar – houve movimentos também no sentido de restringir o poder das forças armadas. Forças políticas mais à esquerda postulam a alteração do artigo 142 da Constituição para que não deixe dúvidas de que não cabe aos militares o pretendido “poder moderador”. Gilmar Mendes considera a medida desnecessária, por se tratar de interpretação da lei. Há ainda o movimento para restringir o papel dos tribunais militares quando do julgamento de ações envolvendo a aplicação da Garantia da Lei e da Ordem. A conferir onde isso vai dar.