Semana de 10 a 16 de outubro de 2022
“O mundo está agora em um ponto de inflexão. Esta década será decisiva na definição dos termos da nossa concorrência com a China”, Joe Biden.
“Para a extrema-direita global, o segundo turno das eleições brasileiras são as primárias para as eleições americanas em 2024”. Boaventura dos Santos.
As afirmações acima sintetizam o que de mais importante aconteceu no plano internacional na semana. Primeiro, a disputa envolvendo os Estados Unidos e a China, num terreno que aponta para uma reconfiguração de uma nova ordem econômica e política, que assumiu novos contornos com o conflito na Ucrânia, que estreitou os laços da China com a Rússia.
O cenário de guerra, por sua vez, aponta para um desfecho incerto no campo de batalha ucraniano, com o exército russo tendo que abandonar áreas de regiões recém-anexadas e com a retaliação de Moscou, ao bombardear simultânea e indiscriminadamente várias regiões, caracterizando novos crimes de guerra. A ameaça de uso de armas nucleares, porém, tem sido contida pela reação internacional, desta vez incluindo tradicionais parceiros russos como a China e a Índia.
A segunda questão está relacionada às eleições no Brasil, cujo resultado no segundo turno pode fortalecer ou servir de anteparo ao fortalecimento da extrema-direita global, outro fenômeno que assombra aqueles que lutam em defesa da democracia aqui e mundo afora. Para o senador democrata Bernie Sanders, “esta será uma das eleições mais dramáticas do século 21”. Segundo Boaventura dos Santos, a extrema direita global vê Bolsonaro “como um instrumento estratégico para manter sua visibilidade internacional”. Derrotá-lo seria um revés não apenas para a extrema direita brasileira, mas poderia influenciar o embate em curso em outros países, especialmente nos Estados Unidos. Teme-se que a vitória dos republicanos nas eleições legislativas em novembro, dada como certa, possa pavimentar a volta de Trump à Casa Branca em 2024.
De acordo com as principais pesquisas eleitorais, o cenário da disputa no Brasil continua estável com Lula à frente de Bolsonaro por uma margem relativamente estreita nas intenções de voto: 57% dos votos válidos para o candidato do PT contra 47% do atual presidente, segundo o Datafolha divulgado na sexta-feira (14); Lula 51 % x Bolsonaro 42%, na pesquisa do Ipec divulgada na segunda-feira (10). A experiência recente recomenda prudência em relação às pesquisas eleitorais, mas os dados não deixam de ser, num certo sentido, tranquilizadores. As forças de esquerda os têm interpretado como necessidade de esforço redobrado na campanha para ganhar voto a voto nas ruas e nas redes sociais.
O cenário da disputa desenvolve-se num ambiente de crescente tensão e violência, de propaganda eleitoral sórdida, de pronunciamentos aviltantes como o da ex-ministra Damares, do uso de celebração religiosa como palanque eleitoral, como aconteceu no dia 12 na Basílica de Aparecida do Norte.
Bolsonaro retomou o discurso agressivo, de quem sabe que vai perder e apela. Recomendou a seus apoiadores “permanecerem na região” das seções até o resultado da apuração. Impediu que os militares divulgassem o resultado do trabalho realizado no primeiro turno para testar a segurança das urnas eletrônicas, onde não devem ter constatado qualquer irregularidade.
Na semana que lhe foi bastante desfavorável – pouco apoio no ato de Recife, truculência em Aparecida do Norte, desmoralização da ex-ministra Damares a quem manifestou solidariedade, sinais de corrupção nas emendas parlamentares vindo à tona com a ação da PF no Maranhão – Bolsonaro deve radicalizar o discurso e retomar a linha golpista.
A campanha concentra-se no Nordeste, onde Lula continua arrastando multidões e pretende ampliar sua vantagem e onde Bolsonaro tem sido reiteradamente rejeitado, em parte como resposta à sua afirmação de que o nordestino é analfabeto, ignorante político.
Concentra-se também no Sudeste, especialmente nos maiores colégios eleitorais: no Rio de Janeiro onde Lula conseguiu apoio importante na Baixada Fluminense, tem o apoio do prefeito da antiga capital do país e onde o candidato do PT fez um memorável ato de campanha no complexo do Alemão. Bolsonaristas tentaram desqualificar a ação, associando os membros da comunidade a criminosos. Mais um tiro no pé a reverberar negativamente na campanha do candidato do PL, espera-se.
Concentra-se ainda em Minas Gerais, onde o governador reeleito manifestou apoio a Bolsonaro, e especialmente em São Paulo, onde Lula venceu na região metropolitana da capital e em algumas cidades do interior. Lula teve mais votos que Haddad, o candidato do PT ao governo do estado, especialmente no interior. O resultado das urnas no primeiro turno, que surpreendeu com a vitória expressiva do candidato do PL ao governo estadual, comprovou a força do eleitorado conservador, baseada, entre outros fatores, no poder do agronegócio que pretende estreitar seu domínio no amplo território que junta o interior de São Paulo ao Centro-Oeste. Algo para se prestar atenção, por se tratar de um projeto de disputa econômica e política que busca desbancar a hegemonia do capital financeiro e industrial e está associado à reconfiguração da divisão internacional do trabalho, na qual é atribuída ao Brasil a produção e exportação e commodities, especialmente aquelas oriundas do agronegócio.