A ansiedade era grande, depois de ter passado por um processo de seleção de um ano envolvendo, na fase regional, candidatos de Minas Gerais; na fase nacional, profissionais do setor público e privado com carreiras promissoras de diferentes regiões do país e, na etapa final, 196 candidatos de mais de 120 países. Mal acreditei quando recebi, no final de 1993, a mensagem da Fundação Fulbright informando que eu havia sido escolhido, junto com outros 4 brasileiros, para compor o grupo de 160 profissionais que passariam um ano nos Estados Unidos.
Frequentaríamos programas de doutorado em diferentes universidades, ao mesmo tempo em que teríamos a oportunidade de conhecer profissionais experientes na área específica de atuação. Assim, fui também informado que meu destino era a Universidade de Cornell, no estado de Nova York, onde frequentaria nos meses de junho e julho um curso intensivo de inglês, antes de iniciar as atividades acadêmicas na Faculdade de Relações Industriais e do Trabalho, no início de agosto de 1994.
A universidade ocupa uma vasta área sobre a colina, na pequena cidade de Ithaca, margeada pelo Lago Cayuga, um dos cinco lagos conhecidos como Finger Lakes, de formato estreito e longo que lembram dedos de uma mão. Reconhecida pela tradição e excelência acadêmica, a Universidade de Cornell integra, com o seleto grupo de universidades – Princeton, Harvard, Yale, entre outras– a famosa Ivy League, que remonta aos anos 1860 e anualmente promove entre elas prestigiados campeonatos esportivos.
Como não poderia deixar de ser, a Cornell abrigava e continua abrigando em seu corpo docente figuras exponenciais, como o famoso e hoje falecido astrônomo Carl Sagan, que naquele ano fez a memorável aula inaugural do ano acadêmico. Mas meu objetivo, no entanto, não é falar sobre a universidade, mas relatar a experiência vivida naquele que foi e ainda continua sendo um verão memorável.
Foi no alojamento de estudantes, o Sheldon Court, onde passei duas semanas antes de alugar um studio, que conheci os jovens amigos, brasileiros e estrangeiros, que formaram o animado e às vezes ruidoso grupo com quem vivi essa marcante experiência. O quarto número 311, compartilhado pelo venezuelano Jose e o brasileiro Walter, tornou-se nosso ponto de encontro. Era ali que Paulo, Abdhul e eu chegávamos, depois das aulas de inglês, para decidir o que fazer à noite.
O Restaurante Grego, com sua deliciosa pizza vegetariana, o Alladin’s e o Rullof’s, pubs animados, eram nossos favoritos. Num ou noutro o pequeno grupo era engrossado por amigos como Fredéric e sua colega francesa, desejada por quase todos, os sul-coreanos Kay, Miwa, Shu e mais um ou outro estudante. Entre um hambúrger ou um prato de sopa de lentilha, um gole e outro das muitas e muitas jarras de Budweiser, a cerveja da vez, a conversa era acalorada, as piadas engraçadas, os comentários picantes e o riso rolava solto.
Na manhã seguinte, encontrava alguns no caminho do Uris Hall, onde concentravam-se as salas de aula do curso de inglês. Os cumprimentos eram ligeiros, o sorriso revelando amizade, o toque de mãos transmitindo afeto. O almoço, geralmente no Jansen’s, era outro momento de reencontro e conversas animadas. O restaurante universitário oferecia uma ampla variedade de pratos e as refeições eram pagas com cartão eletrônico recarregável, uma novidade para mim na época.
O final de tarde ainda proporcionava uma rápida passagem pelo Teagle Hall, centro poliesportivo, onde disputávamos espaço na única raia disponível para aqueles que não faziam parte da equipe de natação da universidade. Ou era o momento para uma passada pela biblioteca, cujos pavimentos inferiores são incrustados na colina, com amplas aberturas de vidro descortinando a paisagem. Ali desfrutava de raros momentos de silêncio, dedicados à leitura. Horas eram também passadas no Willard Hall, assistindo a um documentário ou a um filme de seu incrível acervo.
Os laços de amizade e a cumplicidade foram ficando mais fortes com o passar dos dias. Por ser o mais velho da turma, passei a ser chamado carinhosamente de Captain, numa alusão ao mestre do filme Sociedade dos Poetas Mortos. O sentimento de pertencer àquele grupo espontâneo e generoso me fez sentir jovem, companheiro de viagem. E as experiências compartilhadas continuaram pródigas de emoção e alegria, como os jogos da Copa Mundial de Futebol em que o Brasil sagrou-se novamente campeão.
Como esquecer o jantar no Old Harbor, restaurante à beira do lago, a convite do Abdhul, num de seus arroubos de generosidade? E o passeio de barco pelo Lago Cayuga, na tarde ensolarada e de brisa morna, de conversa amena e descontraída, enquanto a paisagem oferecia cenas de rara beleza? Talvez nada se compare à emoção de ter se aproximado, de muito perto, das caudalosas quedas de Niagara Falls. Aquele raro momento mereceu um poema apaixonado e recebi em troca um caloroso abraço, “leaving in my heart a tiny seed of joy”.
Logo vieram as despedidas, algumas alegres, outras emocionadas. Nosso pequeno grupo – José, Paulo, Abdhul e eu – fez um pacto. Pegamos uma nota de um dólar, cortamos o número um de seus quatro cantos, que cada um guardou com a promessa de nos reencontramos, algum dia, em algum lugar. Ainda guardo o meu junto com as fotos desse verão que continua a aquecer meu coração com as mais ternas lembranças. Estava finalmente preparado, depois de ter cravado 600 pontos – num total de 637 – no rigoroso exame de proficiência em inglês para frequentar o programa de doutorado da New York School of Industrial and Labor Relations.