Visitei Nova York, pela primeira vez, em janeiro de 1995. Recorro a trechos da carta escrita a uma amiga, em janeiro desse ano, para fazer o relato da viagem.
“ Depois de assistir na TV a um programa com o diretor do Metropolitan Museum apresentando a exposição Origens do Impressionismo, não tive mais dúvida: fiz reserva no hotel, comprei passagem, arrumei a mala e parti em direção à Big Apple.
Fiquei num hotel agradável, cheio de turistas europeus, situado num local seguro, separado pelos gramados de um amplo jardim do Museu de História Natural, tendo do outro lado o Central Park. Para se chegar ao Metropolitan, bastava atravessar o parque e subir a 5ª Avenida. Por perto, muitos bares e restaurantes convidativos.
Imaginei um roteiro para os quatro dias passando pelos principais museus e pontos de referência, fugindo do lugar comum da maioria dos turistas. Queria conhecer a cidade viva, caminhar por avenidas e ruas, ver as pessoas comuns, parar em bares e restaurantes, experimentar o dia a dia. Depois de me hospedar no hotel, dei um pulo ao museu que estava logo ali, à minha frente, considerado um dos melhores do mundo no gênero. O que mais impressionou foi a forma como todo o imenso e rico acervo é organizado. Os animais empalhados parecem ter vida e o habitat ao redor é muito real. Diverte-se com computadores, fazendo-se perguntas e recebendo respostas em vídeo sobre a origem de uma determinada espécie ou sobre a técnica de recuperar um fóssil.
Na área destinada às culturas regionais, é impressionante o acervo sobre as populações indígenas da costa leste americana, as civilizações pré-colombianas do México e do Peru, as culturas do Pacífico Sul. Ali estão reunidos os objetos que Margaret Mead recolheu em suas pesquisas por Samoa, Bali e outras ilhas da região nos anos 30 e 40. O acesso a esses bens culturais é muito amplo, comparado com as limitações de nosso país. A experiência me levou de volta aos tempos de estudante. Lembrei-me das aulas de Antropologia da saudosa Carmen Cinira.
Nessa época do ano anoitece cedo. Às cinco da tarde, começa a escurecer. Os donos de quitandas espalhadas pela Columbus Ave recolhem as frutas expostas na calçada e os garçons preparam as mesas para o jantar nos restaurantes. Parei no Ruppert para experimentar o salmão ao alho e a deliciosa torta de queijo, típica da cidade.
A primeira impressão do Central Park, ao caminhar em direção ao Metropolitan, não foi muito legal. Nessa época do ano, as árvores estão desfolhadas e tudo é cinzento. A impressão foi mudando com o passar dos dias, ao ver o parque sendo tomado pela população fazendo jogging, patinando ou apenas caminhando.
Vou evitar os adjetivos e superlativos ao falar do Metropolitan. A exposição sobre os impressionistas foi impactante, embora tenham dado destaque desproporcional a Monet, mesmo conhecendo sua importância na ruptura com o academicismo e sua influência sobre os primeiros impressionistas. Só um museu com esta tradição e envergadura poderia colocar, uma ao lado da outra, telas de diferentes artistas sobre o mesmo tema, uma delas reproduzindo o momento em que um deles estava pintando o quadro. Apesar da matriz estética comum, os olhares sobre o mesmo objeto eram muito diferentes. Foi um passeio pelos anos de origem do impressionismo, podendo ver como esses artistas retrataram o movimento da luz sobre ambientes e pessoas. Uma das salas foi organizada para mostrar esse efeito sobre as mãos das pessoas retratadas. Uma dessas obras havia sido emprestada pelo Masp. Fiquei orgulhoso.
Além desta mostra, havia outras, como “Ouro grego, período clássico” e “Presentes dos faraós”. O refinamento e a delicadeza dos objetos expostos deslumbraram o olhar. Diante da impossibilidade de conhecer todo o acervo – seriam necessários quatro dias inteiros – fui respondendo aos apelos mais instigantes e imediatos. Que tal uma caminhada pela Grécia e Roma antigas, com direito a uma paradinha para admirar a estátua de Afrodite ou o torso de um kouros? Nada como observar, com mais vagar, cenas do cotidiano reproduzidas em jarros e pratos da mais bela cerâmica. Dá para imaginar um passeio pela ala onde estão à mostra alto relevos de um palácio imperial assírio?
Depois de muitas andanças, foi hora de sentar num dos bancos de granito e apreciar a praça onde foi reconstruído o templo egípcio de Dendur. A tranquilidade do ambiente, o espelho d’água por onde a imaginação voa, povoada de imagens e objetos recém vistos, e a pirâmide de cristal que se projeta para dentro do Central Park, a vista da metrópole que está ao lado, milhares de anos à frente no tempo, tudo isso convida a uma pequena pausa antes de retomar a deliciosa aventura de descobrir o mundo nova-iorquino.
A vontade é de sentir novamente a vida pulsando modernidade. Alternativa: a Quinta Avenida. A elegância dos prédios residenciais vai dando lugar, à medida que se caminha em direção à Midtown, a impressionantes arranha-céus. Modernidade, ostentação, luxo, deslumbramento, joalherias famosas – Tiffany, Cartier, H. Stern – entre outras, além de butiques, sedes de bancos e corporações; mulheres vestidas de jeans e vison, turistas de todos os cantos.
Então, vão aparecendo como por encanto lugares que eu vira em filmes ou revistas: a Radio City, o Carnegie Hall, o Rockfeller Center, a Times Square, a Broadway, o Lincoln Center… tudo espalhado pela Midtown. Antes de voltar para o hotel, um filme chinês na Radio City e uma paradinha num restaurante para experimentar um T-bone steak com uma taça de vinho. Tipicamente nova-iorquino.
No sábado, visitei o Guggenheim Museum. O prédio é uma obra de arte, especialmente seu interior. A ala principal é arredondada, com um enorme espaço vazio no centro e galerias em forma de espiral ao redor. Em exposição, além do pequeno e seletivo acervo, uma mostra sobre a evolução da arte italiana de 1943 a 1968, compreendendo pintura, cinema, arquitetura, design e escultura. Apresenta cartazes originais de filmes de Rosselini, Visconti, Fellini, Antonioni, De Sica… oferece também uma pequena mostra de filmes, escultura, e de livros, reconstituindo uma fase áurea da cultura italiana.
Domingo pela manhã foi a vez de conferir o acervo do MOMA. Foi um verdadeiro passeio pela arte moderna, com obras das diversas fases de criação de Picasso. Havia também obras de Rousseau, Gauguin, Modigliani, van Gogh entre outros. Tem de quase todos grandes expoentes modernos um pouco, escolhido a dedo. Últimas caminhadas, com direito a passar pela Little Italy, onde parei para experimentar uma massa e lembrar as origens. De volta à Ithaca, trouxe a bagagem renovada de cultura e a expectativa de voltar para viver outras experiências nessa Amsterdã americana.