Entreolhar
Ajeita a mochila na bancada improvisada no quarto de despejo, abre a pequena janela. Está melhor ali, seu lugar. As paredes altas do muro do lado de fora impedem a passagem do ar. Liga o ventilador comprado de segunda mão, estica o lençol sobre o colchonete e fica à espera.
Deixa a nenê amamentar um pouco mais. Olhinhos vivos, amendoados, de querer rir, dedinhos segurando o decote da blusa, querendo ter, fome sem fim. No final do dia, tem dores no seio. Coloca as duas meninas no único berço e observa a cama vazia.
A briga foi sem motivo, queria o quieto, ficar sozinho. Remexido por dentro, arisco, renegava, não se negando, não podendo, não podia. Talvez fosse mal pensamento, descuido, tesão passageiro, de macho querendo novidade. Acontece. O jovem encostava, por acaso, ria riso pequeno, pouco, só de provocar, de malícia e querer, depois afastava, mirando o entumecido sob as calças, desejando.
Lavara seus pés, fizera massagem, delicada, morosa, de fazer bem, de querer sem dizer. Nem carecia, ele sabia e a comia com os olhos, olhos verdes a suspirar em segredo, doçura de ansiar mais, norinha querida. Atarracado, caprichoso no ofício de ter e possuir, mestre em ser desejado no claro do dia ou na tocaia da noite.
A irmã o trouxe para morar no bairro da periferia, a pedido do pai. Por desgosto, sem esperança de conserto. Os maloqueiros tinham desfrutado, depois maltratado, arrebentado o nariz no soco, quebrado as costelas no chute e pancada. O cunhado o acolhe com pena. Faz graça, faz rir, esquecer. Saem nas tardes de sábado para soltar pipa, sonha. Ternura de mãos que se tocam, aconchego do abraço que acolhe.
Sobe o lance de escada, encontra a porta encostada. No semiescuro da noite, o corpo estirado na cama a espera, sem segredos, sobre os lençóis. Treme de ansiedade e receio. É desejo, é vingança. Deita-se a seu lado, procura refúgio no peito musculoso. Toca devagar seu ombro, ela tão pequena, tão sua, tão frágil, no lento cavalgar em seu corpo teso, nesse suspiro e soluço tão longos.
A fresta de luz pálida pela porta que se empurra anuncia sua chegada, sorrateira, silenciosa. Os olhos custam a ver a silhueta despindo-se no sombrio da noite. Ah, as curvas do corpo, o macio do hirto, o cheiro inconfundível da pele aveludada, a fome do beijo na entrega sem limite!
O bater da hora o obriga a deixar o leito ainda morno de prazer e lassidão. Veste-se rápida e silenciosamente para não o acordar do sono profundo. Ao sair, ouve o som abafado de chinelos na escada. Ela está deixando o quarto do pai, não tem dúvida, e sabe que o irmão dormiu com ele. Dá a volta na escada e para um instante. Entreolham-se sob a luz tênue do amanhecer.