Abre a cortina do confessionário. É o sinal de que pode se aproximar. Ajoelha-se e faz o sinal da cruz. Observa o semblante contrito, os olhos semicerrados e o tremular das pálpebras, delineadas por longos cílios curvos. A pele rosada e fresca e o cheiro de carne nova desabrochando o excitam. Os lábios umedecidos não devem ter conhecido o toque excitante da língua, nem experimentado o beijo apaixonado. “Quais foram os seus pecados, minha menina?” “Desobedeci minha mãe”. “Mas isso não é pecado, garota! ” Diz, enquanto lambe os lábios finos. “Cometeu alguma impureza contra o seu corpo, o templo do Senhor? Você o toca enquanto se banha? Acaricia os seios? ” Abre a braguilha e segura o membro teso. “Teve desejos impróprios? Só uma vez? Me conta o que sentiu. Não cedeu à tentação outras vezes? ” Aperta as contas do rosário. A respiração está cada vez mais ofegante. Acelera o movimento da mão, a pressão sanguínea dilata as artérias do pescoço, o coração explode e os músculos se contorcem no espaço exíguo de madeira. Segura o uivo de prazer na garganta, contém a ejaculação no lenço. Com a voz ofegante, de quem esteve perto do paraíso, a abençoa, fazendo o sinal da cruz. “Eu te absolvo de todos os pecados. Volte sempre que precisar aliviar o coração de alguma inquietação ou limpar a alma de qualquer mácula. ”
É assim que cuida do rebanho de gazelas. Muitas continuarão arredias e escaparão de suas artimanhas. Outras não resistirão à abordagem cada vez mais ousada. Deixarão segurar a mão por mais algum tempo, sem se desvencilhar daquela que a aperta com insistência. Algumas responderão com o delicado movimento dos dedos, a primeira carícia. Com o tempo, deixarão o toque aparentemente casual no seio ser desejado como o mais devasso anseio. Essas não resistirão ao beijo ardente e se entregarão ao prazer intenso, aquele que não estabelece limite à transgressão e ao pecado. Amadurecerão sob o manto do recato e o véu da dissimulação.
Mas o caminho é tortuoso e nem sempre recompensado, de gestos sutis, mensagens de duplo sentido, movimentos dissimulados, olhares convidativos, encontros apressados na penumbra das capelas; de horas marcadas no escritório da casa paroquial, retoque em peças de paramento dourado na sacristia, arranjo de flores nos altares e rezas solitárias para o Santíssimo; participação em cerimônias solenes incensadas por turíbulos lavrados em prata, abraços cada vez mais envolventes, ereções nem sempre disfarçadas e entrega relutante em hora e local inesperado, o porão escuro da casa ou o leito ainda morno de uma manhã de outono, ao som de música sacra.
Na escassez de cabritinhas, fugidias ao cerco tão bem arquitetado em noites de insônia e prazer solitário, decide investir numa das solteiras encalhadas do coronel. Filha de Maria de longa data, de frequência assídua a rezas, novenas, missas das sete e procissões, oferece certa resistência no olhar surpreso e ar de espanto, quase de indignação, no enrubescer das faces, na respiração ofegante e piscar nervoso das pálpebras. Percebe em sinais nem sempre contraditórios a tensão se instalando no espírito em conflito, o coração sendo constrangido pela dúvida, a alma sendo esgarçada por pensamentos impuros e arrependimentos imediatos. Torna-se mais ousado com o tremular das mãos que se deixam tocar, o olhar de soslaio que já não se assusta nem se envergonha diante do membro rijo sob as calças, com a carícia tímida dos dedos inseguros e a mão que finalmente o agarra quando abre a braguilha. Deixa-o roçar os seios desnudos e arfantes e os lábios que se abrem, sente o cheiro inconfundível e o gosto agridoce das primeiras lágrimas.
Os dias de enlevo e paixão ardente, de entrega em horas e locais combinados, de corpos entrelaçados em posições inusitadas, são substituídos pelo pesadelo, ao constatar que está grávida. Ele reage com enorme preocupação e exige o mais rigoroso sigilo. Não resiste ao tormento e acaba revelando o segredo à irmã, confidente de todas as horas. Não segura a informação diante do olhar severo e desconfiado da tia. Aterrorizada, sem saber por onde começar a contar a desgraça, com as mãos contorcendo-se uma sobre a outra e olhando os próprios pés deformados pela artrose, comunica ao irmão o pecado infame da sobrinha. Golpeado pela desonra, permanece em silêncio. Os olhos esbugalhados, os lábios trêmulos e as mãos que não encontram amparo sinalizam o desnorteio de ideias desencontradas e sentimentos irascíveis de natureza primitiva. “Ele vai pagar”, grunhe.
Mantém a desonrada incomunicável em cárcere privado na sede da fazenda, enquanto decide onde será feito o aborto. Humilhado, não aparece mais em público. Reúne o grupo mais restrito de asseclas e ordena a punição. Se o criminoso não fosse membro da Igreja, o esfolaria vivo e o faria engolir o próprio pau. Deve desocupar imediatamente a casa paroquial e jamais botar os pés novamente em Santana. Que o Senhor Bispo entenda de vez, ele é quem dá ordem nessa corrutela! Diante de seu poder e mando, Sua Excelência pode pouco.
O acontecido vira o comentário do dia, semanas seguidas. “Podia imaginar uma coisa dessas”, pergunta uma recatada senhora à amiga, durante a novena. Responde ainda incrédula: “Parecia tão devota, quem suspeitaria”? “É verdade que foi forçada a abortar”? “Se livrou do fruto do pecado, o pobrezinho inocente, mas a mancha não desaparecerá”. “Ele e a família tiveram a punição que mereciam”. “Ouvi dizer que limparam a casa paroquial, carregaram tudo: móveis, talheres, cristais, louças, lençóis, quadros, candelabros de prata, toalhas de linho finamente bordadas, paramentos de fios de ouro, até imagens valiosas de santos. Tudo comprado com nosso dinheiro, de doações modestas às mais generosas”.
Passados meses, encontra-se com ela na rua. Envergonhada, sem conseguir dissimular o constrangimento, aproxima-se com o sorriso tímido e a cumprimenta. “Como vai, Dona Rebeca”? Sem esperar resposta, continua: “A senhora não imagina meu sofrimento e arrependimento. Não posso mais participar da irmandade das Filhas de Maria. Esse é meu maior desgosto”. Olha compenetrada para ela e comenta: “Talvez possa fundar uma outra, dedicada a Santa Maria Madalena”. O filho aperta sua mão em sinal de desaprovação.