O olhar surpreende e cativa o expectador. Enreda-o numa corrente de emoção e de fascínio. A íris captura a luz e cintila como esmeralda. Devolve-a em lampejos que iluminam as bordas umedecidas das pálpebras. Os cílios superiores tocam a sobrancelha negra e retilínea, acentuando o traço selvagem da tigresa. Fios da cabeleira envolta no véu colorido caem sobre o rosto semi-encoberto, mesclando inquietação e perplexidade.
O artista anônimo que recriou na rua Joaquim Antunes a icônica foto da garota afegã, capa da National Geographic que correu o mundo e celebrizou o fotógrafo Steve Macury, décadas atrás, conseguiu deixar na parede a imagem que desperta no observador lembranças sombrias e o inequívoco sentimento de compaixão. Como esquecer os horrores daquela guerra envolvendo tropas estrangeiras de ocupação e o Talibã? Como ficar indiferente à condição feminina e à luta das mulheres afegãs por direitos fundamentais, inspiradas na trajetória da paquistanesa Malala, numa sociedade dominada por uma cultura obscurantista, que passou por um processo de transição bruscamente interrompido? Que destino teve essa mulher com a recente retomada do poder pelo Talibã?
Recentemente, uma notícia trouxe um certo alivio: Sharbat Guia, a garota da foto, agora com 49 anos, refugiou-se na Itália. E as mulheres que continuam no Afeganistão, o que será delas?