Paro diante das árvores centenárias, duas figueiras cujas copas atingem o sexto andar dos prédios em que fazem sombra. Fico imaginando como se tornaram tão majestosas. As raízes brotam nos galhos mais altos e se lançam em cascata em direção ao solo, ao mesmo tempo em que parte delas gruda-se ao tronco em camadas superpostas, de espessura e o formato singular. É jugo e mistério, sombra que acolhe, brisa que aquieta. Presto reverência. A beleza que encanta o olhar também me pertence. Fica estacionada na memória.
Caminho alguns metros até a padaria de nome pretencioso. Está quase lotada, encontro uma mesa livre com dificuldade. Observo o ambiente, dominado por mulheres de meia idade. Ela chega logo depois, a amiga que há tempos não vejo e que comenta com generosidade meus escritos. O corte de cabelo, as mechas grisalhas e a blusa de algodão de corte artesanal lhe dão o toque de elegância discreta, sua marca. Passamos horas ouvindo um ao outro, falando do passado, das últimas viagens, do filme do Wim Wenders – Dias perfeitos – da produção acadêmica que fomos deixando de lado, eu para me dedicar à literatura, ela por um certo desencanto com projetos em que não teve o devido reconhecimento. Rimos muito. Entrego-lhe exemplares dos últimos livros, falo dos projetos que estou desenvolvendo. Ela me retribui com lembranças das viagens ao Canadá e ao Japão. Running raven, pássaros e seres humanos se misturam e se metamorfoseiam na arte nativa da região de Vancouver que decora a pequena tigela. As duas peças de cerâmica compradas de um artesão em Kyoto são de uma beleza comovente. Do lado de dentro, sobre a superfície de um verde esmaecido, um delicado ramo traça desenhos regulares, precisos, e termina numa pequena mandala, uma flor envolta num círculo de flores minúsculas em movimento.
Essas lembranças permanecem, ali onde a vida se recolhe para alimentar-se do pequeno e terno.