Volto, depois de muito tempo, ao MASP. Templo da vida eternizada em obras de arte, do tempo capturado em imagens, da beleza explodindo em cores. É sempre uma emoção difícil de descrever. Está em obras, o acervo foi reorganizado, tem uma mostra do Francis Bacon – A beleza da carne – motivo da visita.
“Quando você entra num açougue, vê a beleza da carne, como a carne pode ser bonita; mas quando você pensa nisso, pensa também no horror da vida, de um ser vivo vivendo do outro, o padrão natural da vida.”
Beleza e horror, sintetizam o que estou para ver. Nas primeiras telas encontra-se o parâmetro de linhas geométricas definindo o espaço de cores sombrias, as pinceladas verticais sugerindo cortinas, corpos de anjos caídos apresentados em sua nudez, protegida pelas sombras.
Fixo o olhar nas bocas contorcidas pela dor e ouço o grito de desespero reverberando nos meus ouvidos. São imagens distorcidas, músculos faciais retesados, dentes à mostra, gargantas profundas, lascívia. Fileiras superpostas de dentes, canino afiado no rosto desumanizado. É também o sorriso cínico da autoridade eclesial, prazer sorrateiro, hipocrisia.
Leio a apresentação de uma das telas. “Como um homem queer, Bacon enfrentou as duras normas e os valores conservadores típicos do ambiente católico estrito em que foi criado na Irlanda pré-guerra. Em suas pinturas, o autor frequentemente subvertia ícones religiosos – como a crucificação e a figura do papa, como líder da Igreja Católica. A profanação desses símbolos como respostas pictóricas de Bacon à repressão do desejo carnal homossexual postulado pela Igreja. “
Contemplo demoradamente uma das telas. A plataforma cinzenta parece flutuar no fundo laranja, vibrante, quase estridente, dividindo-o em dois planos. O corpo masculino se reduz ao quadril e pernas de músculos definidos e o sexo exposto. O tom róseo da pele provoca. Os óculos, apenas delineados, conectam o objeto de desejo com rosto de traços cinzentos, melancólicos.
Revejo detalhadamente os rostos retratados nas telas. Revelam o sentimento que emana da profundeza da alma, a angústia que supera aquele momento, atravessa o tempo e permanece.
Esse universo também me pertence.