A tentativa fracassada de golpe na Bolívia, no dia 26/06, foi o fato de maior impacto no cenário sul-americano. Expôs, de forma grotesca, a fragilidade institucional do país, onde houve 194 golpes de Estado em 197 anos de história republicana. A pronta reação da comunidade internacional, apesar do silêncio constrangedor do governo Biden, somada à ação ágil do presidente Luis Arce, foram decisivas para neutralizar o golpe. Arce trocou o comando das forças armadas, delas exigindo o respeito às normas constitucionais e o combate aos golpistas.
O presidente fez um comunicado à nação, conclamando a população a defender a ordem democrática. “”Hoje, mais uma vez, o país enfrenta interesses que querem acabar com a democracia na Bolívia. Eu convoco o povo boliviano a se organizar e se mobilizar contra o golpe de Estado e a favor da democracia.” Enfrentou diretamente o general Juan José Zúñiga nos portões do antigo palácio presidencial, ordenou que retirasse as tropas estacionadas no entorno e que voltassem aos quarteis. Zúñiga acabou preso, horas depois.
O presidente Luis Arce saiu fortalecido num cenário de crise que se prolonga para além da tentativa debelada do golpe, que a oposição alega ter sido forjado. Enfrenta uma situação desfavorável na economia e a divisão do próprio partido, MAS (Movimento ao Socialismo), onde o ex-presidente Evo Morales disputa a liderança e a indicação para concorrer às eleições presidenciais em 2025. Enfrenta ainda a oposição de forças da direita, com forte presença na região Santa Cruz, a mais pujante da economia nacional. Neste contexto, a solidariedade dos governos América Latina e Caribe continuará sendo fundamental.
O desempenho desastroso de Biden no primeiro debate com Trump na corrida presidencial dos Estados Unidos levantou a possibilidade da sua desistência, defendida por parte do Partido Democrata como única alternativa para derrotar o candidato republicano. Um dos principais nomes em condições de enfrentar Trump é o atual governador da California, Gavin Newsom, de 56 anos e com uma careira política brilhante. Apesar de 72% dos eleitores o considerarem sem capacidade cognitiva para exercer o cargo, segundo pesquisa divulgada depois do debate, Biden insiste em manter sua candidatura. Poderá ser a ruína dos democratas e um revés ainda maior para a democracia norte-americana, aumentando substantivamente a influência da extrema-direita no cenário internacional.
Macron sofreu nova derrota eleitoral, desta vez para a escolha dos novos membros da Assembleia Nacional. A decisão de antecipar as eleições foi tomada para conter o avanço da extrema direita revigorada nas eleições ao Parlamento Europeu, semanas antes. Uma manobra arriscada, como os resultados das urnas indicam: o Reunião Nacional e aliados tiveram 33% dos votos, seguidos por um bloco de esquerda (Nova Frente Popular) com 28%, e os centristas do presidente Emmanuel Macron/Juntos com apenas 20%, segundo mostraram resultados oficiais do Ministério do Interior.
O Reunião Nacional assegurou, até agora, 280 cadeiras, das 286 necessárias para indicar o primeiro ministro. A Nova Frente Popular busca uma estratégia comum com o Juntos (retirar os candidatos com menos chances de serem eleitos no segundo turno) para impedir a vitória da extrema-direita repaginada por Le Pen. A possibilidade de coabitação (presidente e primeiro ministro de partidos diferentes) está dada. Resta saber com que força política Macron compartilhará o poder até o fim do mandato em 2027.
No Reino Unido, os conservadores encontram-se cada vez mais enfraquecidos com o desempenho errático do primeiro ministro Rishi Sunak, “que falhou em entregar quase tudo o que prometeu e que está prestes a ser amplamente derrotado pela oposição trabalhista no pleito de 4 de julho, como indicam as pesquisas”, de acordo com a matéria publicada por Vandson Lima na FSP (23/06).
Diante da recusa do Hamas à proposta de cessar fogo apresentada pelo Conselho de Segurança da ONU, Netanyahu manteve a ofensiva no território de Gaza, invadindo Hafah de todos os lados. Afirmou que a fase mais dura da guerra está prestes a acabar. Enfrenta, porém, a divisão interna no próprio exército, onde setores afirmam que o Hamas não poderá ser derrotado, por se tratar de uma ideia, e a ameaça da escalada do conflito, desta vez envolvendo o Hezbollah, no sul do Líbano.
No plano nacional, a decisão por unanimidade dos membros do Copom de interromper a queda da taxa Selic, embora fosse esperada, continuou sendo objeto de tensão entre o governo, particularmente o presidente Lula que a considera inaceitável, e Campos Neto, presidente do banco Central, indicado por Bolsonaro e apoiado pelo capital financeiro e setores rentistas da sociedade.
Na semana em que são celebrados os 30 anos do Plano Real, a disparada do dólar, que atingiu a maior alta dos últimos anos (5,44%), serviu de motivo para os arautos do mercado continuarem questionando os gastos do governo – as despesas teriam atingindo 0,5%s do PIB, o dobro da meta fiscal prevista para o ano. Defendem medidas de contenção que oneram os setores menos favorecidos e menos organizados da sociedade (desvinculação dos reajustes de benefícios previdenciários da valorização do salário mínimo, fim da vinculação de recursos orçamentários para educação e saúde, reforma administrativa e nova reforma da previdência).
Em entrevista à FSP, o economista Winston Fritsch fez o contraponto a esse discurso: “Não se pode dizer que os juros estão onde estão por causa do fiscal. É por causa do choque da inflação pós-Covid. A resposta do Banco Central, independente, foi dada um ano antes dos Estados Unidos, e foi muito violenta. Mas funcionou. Só que, agora, para baixar, começa o lero-lero de ‘pô, olha o fiscal’. Mas não foi o fiscal que fez a taxa subir. Foi o choque exógeno da inflação. E com os juros americanos de curto prazo a 5,5%, não dá para baixar muito por aqui. Se baixa muito no Brasil, tem êxodo de capital, o dólar vai para o espaço. É o que está acontecendo”.
O governo respondeu, de imediato, com a ratificação da meta de inflação em 3%, com intervalo de tolerância de 1,5 ponto percentual para mais ou para menos. Segundo Haddad, o modelo contínuo desobriga o CMN (Conselho Monetário Nacional) de fixar a cada ano o alvo a ser perseguido pelo Banco Central.
Embora Lula continue afirmando que não adotará medidas que prejudiquem os mais pobres, o governo se viu acuado, tendo que admitir a necessidade de passar um pente fino nos gastos para identificar distorções e cortar excessos. Levantamento feito pela Receita Federal indica que as renúncias fiscais chegam a 600 bilhões de reais; dois terços deste total são considerados privilégios fiscais. No entanto, os setores beneficiados não estão dispostos a abrir mão de benefícios, como vimos semanas atrás nas disputas envolvendo o fim da desoneração da folha de pagamentos e a revisão do PIS/Confins.
Reação semelhante se viu entre outros setores, como os militares, que não admitem mudança no seu sistema de previdência, outra possibilidade apontada para racionalizar gastos. “Se quiserem acabar com as Forças Armadas, um bom passo é essa reforma da Previdência”, declarou o general da reserva Fernando José Sant’ana Soares e Silva, ex-chefe do Estado Maior do Exército.
Resultados de uma investigação jornalística apontaram que parte considerável das emendas parlamentares não respeitaram critérios de transparência (quem destinou, para onde e para qual finalidade). O escândalo tornou-se ainda mais constrangedor com a reportagem mostrando que recursos destinados ao município em que o pai de Lira é prefeito não foram usados nos projetos aos quais foram destinados. “Barra de São Miguel é destinatária de várias emendas ao orçamento da União patrocinadas pelo presidente da Câmara e filho do prefeito. Percorri o ‘roteiro das emendas’ de Lira no balneário e conto neste episódio de estreia do podcast A Hora o que vi – ou o que não vi por lá. Porque muitas das obras não saíram do papel e outras nem o prefeito soube dizer o que eram ou onde estavam.” (Thais Bilensky, UOL, 29/06).
Em outras palavras, distorções no uso de recursos públicos não faltam – isenções fiscais a grupos econômicos com forte poder de pressão, privilégios, desvios. Falta ao governo força suficiente para enfrentar os poderosos lobbies no Congresso e fora dele. Pressionado para manter o equilíbrio fiscal, embora este não seja o principal problema econômico, e sem condições de aprovar projetos que venham a ser considerados “de esquerda”, como a tributação progressiva dos mais ricos, o governo concentra-se em destravar os projetos de lei que regulamentam a reforma tributária.
Lira não esperava pela reação popular ao absurdo projeto antiaborto. As manifestações foram puxadas pelas mulheres e aconteceram nas capitais e principais cidades do país, com respaldo da grande mídia e apoio majoritário da sociedade, segundo pesquisas. O presidente da Câmara teve que recuar, criando uma comissão parlamentar para analisar o projeto, cuja votação foi estrategicamente postergada para o segundo semestre.
Numa quinzena esvaziada pelas festas juninas, a ala conservadora do Congresso reagiu à iniciativa do Supremo de descriminalizar o porte de drogas ao estabelecer parâmetros para diferenciar o consumidor do traficante. Pacheco, de olho no voto conservador nas eleições ao governo de Minas Gerais em 2026, criticou a Suprema Corte por invadir atribuições do poder legislativo. Por sua vez, a iniciativa do STF foi justificada pela inação do próprio legislativo em regular a matéria. Reforçando a posição do Supremo, temos o argumento de que as novas normas seguem a linha adotada pelo mundo civilizado, inclusive por países latino-americanos como o Uruguai.
A questão ambiental ganhou relevância nas duas últimas semanas com os incêndios criminosos que devastaram parte considerável do Pantanal. O número de incêndios cresceu mais de 2.000% em comparação ao primeiro semestre de 2023. O bioma registrou um incêndio a cada 15 minutos, atingindo 530 mil hectares no Mato Grosso do Sul. A ministra Marina Silva denunciou que 85% dos incêndios observados ocorrem em terras privadas, de forma não natural, ou seja, derivado de ação humana. “Os municípios que mais desmatam são os que mais têm incêndio”, ressaltou.