O espectro da direita ronda o cenário internacional como uma crescente ameaça à democracia. Ganhou destaque na última semana nos Estados Unidos e em Portugal. A decisão da Suprema Corte de anular a decisão da Justiça do Colorado que deixava Trump inelegível para concorrer no estado abriu caminho para ele vencer a chamada “super-terça”, dia de maior concentração das primárias nos estados, onde levou todas. Com a desistência de Nikki Haley, tornou-se o único candidato do partido Republicano.
Enfrentará novamente Biden e com chances reais de vitória. Pesquisas têm mostrado “que apenas um em cada quatro eleitores acredita que o país está seguindo na direção certa, refletindo uma ampla insatisfação em relação à direção do país sob a liderança de Biden. Mais alarmante ainda é o fato de que mais do que o dobro os eleitores sentem que foram prejudicados pessoalmente pelas políticas de Biden em comparação com aqueles que acreditam ter sido ajudados”. Os dados soam como um contrassenso quando comparados com o bom desempenho da economia, a melhoria da distribuição de renda, a queda do desemprego e a prioridade para a questão climática.
A vitória do candidato da centro-direita e o crescimento expressivo da ultradireita nas recentes eleições parlamentares em Portugal, somados à perspectiva de vitória de Trump nos Estados Unidos, apontam para uma tendência de fortalecimento da direita no cenário internacional, como resposta à crise do neoliberalismo.
No Brasil, a extrema direita continua sob o impacto negativo da trama golpista revelada pela operação Hora da Verdade. Os depoimentos do general Marco Antônio Freire Gomes, ex-comandante do Exército, e do ex-comandante da Aeronáutica, brigadeiro Carlos Baptista Júnior, implicaram diretamente Bolsonaro na tentativa fracassada de golpe para impedir a posse do presidente Lula. “Ambos concederam longos e detalhados depoimentos aos investigadores e ajudaram a preencher ‘lacunas importantes do caso’, segundo envolvidos nas apurações”, de acordo com matéria publicada em O Globo.
O desdobramento do processo aponta para o indiciamento de Bolsonaro e de expoentes da direita, inclusive militares. Membros do Supremo analisam cautelosamente a proposta de anistia sugerida pelo ex-presidente, mas reservadamente consideram-na inconstitucional, enquanto Pacheco continua barrando-a no Senado. No entanto, a direita não perdeu a oportunidade de impor uma derrota ao governo na disputa pelas comissões na Câmara dos Deputados. O PL levou “a mais cobiçada e importante da Casa, a Comissão Constituição e Justiça (CCJ), além de emplacar as presidências das comissões de Educação, Segurança Pública, Esporte e Previdência. O PT, por sua vez, ficou com a Comissão de Saúde, que detém o maior orçamento em emendas parlamentares neste ano, e com a Comissão de Fiscalização, também considerado um colegiado importante. O número de petistas à frente de comissões pode aumentar, porque 11 ainda não foram instaladas.”
Lula anunciou o envio ao Congresso do projeto de lei que regula o trabalho por aplicativo no transporte. A iniciativa corresponde a uma das promessas de campanha no combate ao trabalho precário e pode ser considerada um feito no cenário internacional, apesar das críticas recebidas. Na semana que passou, foram anunciados investimentos estrangeiros expressivos no país, particularmente na indústria automobilística onde se intensifica a disputa em torno do carro elétrico.
O governo obteve uma avaliação positiva em várias áreas, superando a avaliação de Bolsonaro em todas elas. Foi o que revelou a pesquisa divulgada pelo instituto AtlasIntel, na quinta-feira (7). No entanto, resultados da última pesquisa Quaest, especialmente a análise da sua série histórica, apontam a necessidade de abandonar essa zona de conforto.
Os dados da pesquisa divulgada apontam uma queda de 3p.p. (de 54% para 51%) na avaliação positiva do governo, se comparada com a avaliação de dezembro/23. “A pesquisa também destacou uma divisão de opiniões entre diferentes grupos demográficos. Entre os evangélicos, por exemplo, 62% desaprovam Lula, enquanto 35% o aprovam. Esse índice de desaprovação cresceu 6 pontos percentuais desde a última pesquisa, enquanto a aprovação diminuiu na mesma magnitude”.
Embora a pesquisa tenha sido realizada no calor da manifestação pro-Bolsonaro no dia 25 de fevereiro e sob o impacto das declarações de Lula sobre o governo de Israel, não se deve imputar o crescimento da desaprovação aos evangélicos, como reação ao pronunciamento do presidente, como sugeriram setores da mídia. A parcela de evangélicos na pesquisa foi de 31% da amostra total, enquanto católicos foram 45%, sem-religião 18%, e de outras religiões 5%.
O dado mais importante a ser considerado é que o índice de desaprovação do governo vem crescendo como tendência, desde agosto do ano passado. E por vários motivos, apontam analistas.
O período de lua de mel do governo terminou em agosto, mês em que se registra o início do aumento da desaprovação. “Esse não é um fenômeno restrito ao Brasil. Tem sido observado em contextos de polarização ideológica e de rápida aceleração das conjunturas. A incapacidade de governos, em especial os progressistas, de darem respostas concretas para aplacar o mal-estar difuso da população com décadas de promessas neoliberais descumpridas produz a transferência de votos de um campo a outro do espectro ideológico. O Chile é um bom exemplo a este respeito”.
O índice de desaprovação era de 24% em agosto/23 e subiu para 34% em fevereiro/24. Ainda mais preocupante é o fato de a aprovação do governo ter caído também entre seus eleitores tradicionais. “O trabalho do Lula na Presidência é aprovado majoritariamente pelo eleitorado tradicional do PT e o lulismo: 68% entre os nordestinos, 61% entre as pessoas que ganham até 2 salários-mínimos [SM], e 59% dentre brasileiros/as com nível fundamental de escolaridade. Contudo, mesmo nesses três segmentos a avaliação positiva caiu, respectivamente, 4%, 8% e 7% em relação aos patamares de agosto/23.”
O governo vem também perdendo apoio de segmentos importantes, vistos como “sentinelas” da eficácia de políticas públicas: “mulheres, que passaram de 58% de apoio para 51%; população de 16 a 34 anos, de 57% para 46%; pessoas com ensino superior incompleto, de 53% para 45%; com renda entre 2 e 5 SM, que caíram de 56% para 45%; e pessoas pardas, que reduziram de 61% para 53% o nível de apoio a Lula”.
Além disso, o governo não conseguiu conter a desaprovação entre eleitores majoritariamente de extrema direita (evangélicos, pessoas com renda entre 2 e 5 SM, acima de 5 SM, e residentes nas regiões sul e sudeste do país).
A percepção de parte significativa da população sobre os resultados da economia não é a mesma do mercado. “Os 86% de eleitores do Lula que em fevereiro/23 tinham uma expectativa positiva em relação à economia, caíram para 69% em fevereiro de 2024, uma queda relevante. A maioria dos pesquisados sente grande mal-estar com a situação econômica concreta, do dia-a-dia(…) que vem crescendo sustentavelmente, culminando com a piora da percepção sobre custo de vida, da carestia dos alimentos, tarifas públicas, e do achatamento do poder aquisitivo”. Essa percepção não coincide com a efetiva melhora da renda dos trabalhadores.
Segundo os mesmos analistas, estamos diante de uma situação de relativo impasse político, de “empate ideológico”, de país cindido ao meio. “Nesse cenário de polarização acirrada, com uma extrema-direita ativa e engajada, poder de mobilização e força convocatória, qualquer perda de base social e eleitoral do governo pode ser decisiva, podendo causar derrotas eleitorais neste ano e em 2026.”
Não estaria na hora de avançar mais nas propostas de combate às desigualdades defendidas durante a campanha eleitoral e de se pensar mais seriamente em como disputar a hegemonia de parcelas da população capturadas pela demagogia da extrema-direita?