De acordo com relatório recente da ONU mencionado pelo jornal The New York Times, “o genocídio promovido por Israel contra os palestinos na Faixa de Gaza atingiu níveis alarmantes de desastre humanitário, com metade da população de aproximadamente 2,2 milhões de habitantes correndo o risco iminente de morrer de fome”. A situação de horror levou o Chanceler Mauro Vieira a afirmar que o Brasil deve ter a “coragem e altivez” de se posicionar sobre as violações de direitos humanos cometidas por Israel, justificando o apoio à ação movida pela África do Sul contra Israel na Corte Internacional de Justiça (CIJ).
Embora apenas 15% da população israelense deseje a permanência de Netanyahu no cargo de primeiro-ministro depois do término da guerra, o governo de Telavive aposta no recrudescimento da ação contra o Hamas com o objetivo de o aniquilar. Setores do governo israelense postulam uma ação ainda mais radical, como a “limpeza étnica” do povo palestino proposta pelo ministro das Relações Exteriores, Israel Katz, durante negociações com colegas europeus em Bruxelas. As atrocidades cometidas e a desfaçatez de autoridades diante do conflito com Hamas tendem a isolar Israel no cenário internacional.
Enquanto as atenções se concentram no Oriente Médio, o Kremlin intensifica as ações no leste europeu. O Exército russo lançou no dia 2 de janeiro novos ataques aéreos contra a Ucrânia, matando ao menos cinco civis e deixando mais de 90 feridos, segundo as autoridades ucranianas. Diante da fragilidade da resistência de Kiev, a Otan desencadeou o “Steadfast Defender 2024”, o maior exercício desde a Guerra Fria. Cerca de 90.000 soldados dos EUA e de outras nações aliadas da Otan devem se juntar às manobras militares que serão realizados até maio. Os exercícios servirão de ensaio para a execução de planos regionais da Otan, os primeiros desenhados pela aliança em décadas, detalhando como responderia a um ataque russo.
Diante da desistência do governador da Flórida, Ron DeSantis, de concorrer à Presidência nas eleições dos Estados Unidos, crescem as chances de Trump ser confirmado candidato dos republicanos. Venceu com folga a primária republicana de New Hampshire realizada no dia 23, sua segunda vitória. A permanência no páreo, no entanto, depende do julgamento da Suprema Corte sobre sua ilegibilidade.
Na América do Sul, dois fatos foram destaque na mídia internacional. O primeiro foi a onda de criminalidade no Equador que deixou ao menos dez mortes, levando o presidente Daniel Noboa a decretar estado de exceção no dia 8 e, no dia seguinte, a assinar novo decreto em que reconhece que o país enfrenta um “conflito armado interno”. Na Argentina, Milei enfrentou no dia 24 a primeira greve geral contra o pacote de reformas do governo. A paralisação afetou diversos serviços no país, incluindo transporte, saúde, educação, indústria, aeroportos, bancos, restaurantes e teatros. Além da resistência da sociedade civil e de derrotas no judiciário, Milei enfrenta a oposição no parlamento onde não tem maioria para aprovar o famigerado Projeto de Lei Omnibus.
Em reunião em Fortaleza com o ministro das Relações Exteriores da China, Wang Yi, Lula prometeu ampliar as relações comerciais e elevar a parceria estratégica entre os dois países a um novo patamar. Nos últimos dias, comemorou o fato de o Brasil ter quitado contribuições e dívidas com organismos internacionais em 2023 e, respondendo a críticas sobre suas viagens internacionais, afirmou que “nunca antes na história do Brasil, o Brasil esteve tão respeitado no mundo como está agora”.
No cenário nacional, o ano se iniciou com a disposição do presidente Lula de distensionar a polarização presente na sociedade e superar o clima de animosidade que continua sendo propalado pela extrema direita e que aparece na avaliação do governo capturada pelas pesquisas. Teria ainda que lidar com o descontamento do Centrão com a demora na liberação de emendas e a oposição do presidente à pretensão dos parlamentares de abocanharem mais uma parte substantiva do orçamento.
Sob o lema Democracia Inabalada, o Planalto organizou a cerimônia para celebrar a vitória da democracia na frustrada tentativa de golpe em 8 de janeiro de 2023. Lula afirmou, ao relembrar a caminhada com autoridades e políticos do Palácio do Planalto à sede do Supremo: “Nunca uma caminhada tão curta teve tanto significado na história do nosso país. A coragem de parlamentares, governadores e governadoras, ministros e ministras da Suprema Corte, de Estado, militares legalistas e sobretudo da maioria do povo brasileiro garantiu que nós estivéssemos aqui hoje celebrando a vitória da democracia sobre o autoritarismo”, disse. Artur Lira não compareceu à cerimônia.
Em ano eleitoral, Lula deu início a viagens pelo país, a começar pelo Nordeste, onde aproveitou para anunciar investimentos, estreitar relações com governos estaduais e reforçar a aproximação com os militares. Esteve presente no ato que marcou a retomada das obras da refinaria Abreu e Lima, em Ipojuca-PE, que será a mais moderna do Brasil e do continente americano. A iniciativa recebeu duras críticas da grande mídia corporativa, rebatidas pelo ministro da Comunicação, Paulo Pimenta, em dois pontos essenciais: “Um discurso contra qualquer tentativa soberana do Brasil retomar o controle de sua política energética em especial na área de petróleo e gás; uma tentativa de blindar o fracasso das privatizações como medidas ‘modernas e eficientes’ para garantir gestão, investimentos e qualidade no atendimento dos usuários dos serviços das companhias de energia elétrica”.
Iniciativas importantes foram ainda anunciadas em relação à retomada do cfrescimento. O governo federal anunciou no dia 22 de janeiro a nova política industrial para o país, com R$ 300 bilhões previstos em financiamentos para o setor até 2026. O plano – “Nova Indústria Brasil” – foi apresentado pelo vice-presidente Geraldo Alckmin, ministro de Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, e tem como mote a volta do Estado como principal indutor do desenvolvimento nacional. No dia 30, o presidente Lula assinou a medida provisória que cria o Mover (Mobilidade Verde e Inovação), programa que vai substituir o Rota 2030 e se tornar o novo plano estratégico para o desenvolvimento do setor automotivo no Brasil. O Mover amplia as exigências de sustentabilidade da frota automotiva e estimula a produção de novas tecnologias nas áreas de mobilidade e logística.
Lula ainda anunciou a criação do Ministério do Empreendedorismo, da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte, chefiado por Márcio França (PSB), realocado para a nova pasta depois de perder o posto de ministro de Portos e Aeroportos para Silvio Costa Filho (Republicanos-PE). A pauta de sustentabilidade estipulada pelo Plano Plurianual divulgada pelo Ministério de Planejamento foi outro feito memorável. Estabelece 7 metas relacionadas ao meio ambiente que precisam ser priorizadas pela administração pública de 2024 a 2027.
A relação com o Centrão ficou mais tensa quando o presidente Lula sancionou, no dia 22, o projeto da LOA (Lei Orçamentária Anual) de 2024 com veto de cerca de R$ 5,6 bilhões em emendas de comissão –aquelas não impositivas e direcionadas pelas comissões permanentes da Câmara dos Deputados e do Senado. O veto presidencial atingiu em cheio ministérios comandados pelos partidos do bloco. Apesar da ministra Tebet ter afirmado que o veto pode ser revisto depois do Carnaval, a tensão continua, alimentada por outros pontos de divergência entre o executivo e o legislativo, como a questão da MP que acaba com a desoneração a folha de pagamento.
Mas o fato que elevou a temperatura política em janeiro foi o escândalo da “Abin paralela”. A Polícia Federal cumpriu, no dia 25, mandados de busca e apreensão em endereços ligados ao deputado Ramagem. A Operação Vigilância Aproximada apura um esquema de espionagem montado na Abin para monitorar, ilegalmente, autoridades públicas e cidadãos comuns. Segundo relatório da PF, a Abin tentou associar os ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes ao PCC (Primeiro Comando da Capital).
De acordo com o jurista Marcelo Uchôa, Ramagem não teria trabalhado sozinho no caso, o monitoramento de lideranças políticas contrárias ao governo de Bolsonaro ocorreu com o endosso do ex-presidente e o então ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) Augusto Heleno. Considerado pela presidente do PT, deputada Gleisi Hoffmann, “um dos maiores escândalos da história da República”, a espionagem da Abin foi parte de uma estratégia mais ampla visando efetivar o golpe contra a democracia no Brasil, como o desdobramento da investigação vem demonstrando. O cerco aos golpistas está se fechando, assim como não se sabe como será sua reação.