Os contos reunidos em Persona retratam personagens marcados pela angústia, em situações limite. O pintor relembra sua trajetória pontilhada de momentos em que esteve à beira da desistência. Quase cego, não consegue identificar as nuances de cores do entardecer nas montanhas do Sul de Minas onde se exila para viver os últimos anos de vida. Seus dedos não têm mais firmeza para delinear traços nas aquarelas que servem de esboço para seus quadros. Cercado de santos barrocos, transforma os movimentos do butô em pinceladas no ar, tela onde ganham vida imagens delirantes que habitam seus sonhos e sentimentos sombrios que ele, o artista, carrega na alma.
O assassino do próprio pai tenta encobrir as manchas de vitiligo que se alastram pelas mãos com as rendas do vestido de noiva que pertenceu à avó. Olha-se no espelho e esboça um sorriso de triunfo e de prazer ao sentir o cheiro de sangue e observar os traços do rosto esculpidos pelo cirurgião plástico. Larápio, madraço, vigarista, vadio, vive em ambientes sórdidos, depois de redigir pelo avesso o próprio código de honra. Identifica-se com o outro, o personagem do romance que acaba de ler e com quem imagina se encontrar em viagem astral.
Ela oferece ao amante a própria irmã, carne fresca, na tentativa desesperada de segurar a relação. Marido e mulher entreolham-se nas escadas do sobrado, ao amanhecer. Sabem que um acabara de trair o outro. O jovem executivo angustia-se ao ver desaparecer no espelho os traços da mulher de rara beleza, alter ego que frequenta velórios de supostos amantes. O escritor de meia idade questiona o sentido da separação, acontecida anos atrás, depois de uma viagem à Roma. A ansiada liberdade não o livrou da angústia, nem o recente sucesso de suas obras aliviou a solidão. Os dias e as noites, exclusivamente seus, são compartilhados com os sons, ora envolventes, ora exasperantes, do silêncio.
O escritor sente a aproximação da morte e faz um acerto de contas com a vida. Repudia qualquer gesto melodramático que desperte compaixão. Questiona a monotonia das horas, entremeadas de lembranças fugidias, que não parecem mais suas, imprecisas como as fímbrias tremulantes da madrugada. Acometido pelo câncer, faz o inventário de seus pertences. Sente ter que se desfazer dos quadros e gravuras que dão vida ao local onde mora, por despertarem a imaginação e inebriarem sua existência com rasgos da mais pura beleza. Alimenta-se essencialmente dela.