Corrige aí. É Zilah, sem acento e com h.” Dá uma risadinha. “Que tesão de homem”, pensa ao virar as costas para o estivador que acaba de rabiscar o nome e endereço dela no pedaço de papel. “Aparece lá, depois das oito da noite. Como eu disse, não tem que pagar, o prazer não tem preço! ” Passa o restante da tarde ansiosa, depois de ter dormido algumas horas. Foi um sono agitado, entremeado de sensações de anseio e medo. Será a primeira vez. Prepara os salgadinhos e os distribui em pequenas bandejas decoradas de flores e ramagens feitas de patê. Toma um banho relaxante e massageia o corpo com creme de perfume discreto. Coloca o vestido vaporoso, que deixa transparecer a pele bronzeada e a sombra dos pelos cuidadosamente aparados entre as pernas. Prepara o coquetel e fica à espera.
Ele chega pontualmente às vinte horas. É um homem atarracado, peludo, de pele queimada pelo sol. Seu olhar é investigativo e os lábios grossos parecem sedentos. “Boa noite”. “Boa noite! Entra. Como é mesmo seu nome? ” “Antônio dos Santos”. “Sinta-se em casa”, responde com sorriso que apenas sugere o seu desejo. Ele entra e a abraça, tomando logo a iniciativa. Ela o deixa beijar sua nuca por alguns instantes, desvencilha-se dos braços fortes e pergunta: “Aceita um salgadinho? Eu mesma fiz”. Coloca uma bandeja na mesinha em frente ao sofá. Pelo rabo do olho, percebe seu membro teso sob as calças. “Aceita uma batida de maracujá ou prefere uma bebida mais forte? ” “Aceito uma cachaça da boa, se tiver”. Entre um gole e outro, um salgadinho e outro, ele a puxa para junto de si, beija-a com sofreguidão e conduz sua mão até agarrar a piroca quente e avantajada.
Não demora muito, os corpos nus se agarram e se contorcem na cama. Ele lambe seus seios, mordisca seus mamilos e chupa seu pescoço com voracidade. Treme, tomada por sensações desconhecidas, ao sentir as mãos fortes percorrendo seu corpo, os dedos explorando a entrada do orifício que provoca prazeres desencontrados, além da dor, geme baixinho quando aquela língua rija e faminta abre os lábios e vibra-se entre as passagens secretas do jardim das delícias. Ele a trata com carinho, ao perceber que ainda é virgem.
Os encontros se repetem ao longo da semana. Ele a leva a descobrir sensações inimagináveis, a se entregar em posições inusitadas, a gemer e urrar no frêmito de gozos prolongados e sucessivos, a cavalgar seu corpo musculoso e o conduzir à fronteira sinalizada com as cores vibrantes da mais pura lascívia. “Agora você está pronta, meu amor. No sábado, farei uma surpresa”. Não diz o que é, ela também não pergunta, preferindo entregar-se à fantasia ainda mais insondável.
Ele chega, na noite esperada, acompanhado de um amigo, um marinheiro dinamarquês. Ela olha para Antônio, tentando disfarçar a surpresa. “Hoje é dia da suruba, minha querida, você vai adorar”, adianta ele antes que ela pergunte. Ela vacila, por alguns instantes, mas logo se entrega aos dois amores, o moreno puro-sangue e o loiro de olhos verdes e peito musculoso, aprendiz e mestre de prazeres ainda desconhecidos, de quem ouve as poucas palavras de uma linguagem que dispensa outras: “Gostosa… chupa… meu amor… pega… quer mais?… Assim, assim… beija…”.
Sobe a serra em direção ao planalto paulista, mergulhada nas lembranças. Realizou sonhos e viveu momentos da mais delirante fantasia. Sabe que foi um divisor de águas. A Zilah de hoje é outra mulher, conhece parte da vastidão do prazer, oceano incomensurável, mas tem que voltar à dura realidade de Santana, onde é vista, tida e confirmada como mulher recatada, de nome e reputação ilibados, sem ter cedido um milímetro à tentação da carne ou alimentado, por menor ou mais discreto gesto, a ousadia daqueles que a desejam, disfarçada ou despudoradamente.
Chega a São Paulo e, no mesmo dia, compra passagem para Aparecida do Norte, onde aliviará a alma da pesada carga de transgressão. Aluga um quarto na pensão barata, destinada a romeiros, e assume o ar contrito de quem vem em busca de consolo e alimento espiritual. Sai ao amanhecer em direção à Basílica Velha para se confessar. Sobe devagar e de joelhos os poucos degraus da escada da antiga construção barroca, simulando pesar e arrependimento. Decide comprar duas velas grossas, mas diante das lembranças impudicas que evocam, decide por apenas uma, fina e comprida. Deixa o local e se coloca na fila do confessionário.
Cobre o rosto com o véu de rendas acinzentadas, cor entre o branco imaculado que já não lhe pertence e o preto da austeridade que jamais terá, ajoelha-se e pede a bênção do confessor: “Padre me perdoe porque pequei. ” “Está arrependida minha filha e disposta a não mais pecar? ” “Sim padre, estou muito arrependida. ” “Abre seu coração e sua alma, pois Deus é misericordioso com aqueles que porventura abandonam seu caminho. ” Criando coragem, diz: “Padre, meus pecados são horríveis, os mais vergonhosos. ” “A misericórdia de Deus é infinita, confesse todos eles. ” Ela os revela, um pouco temerosa, no início, para os despejar, em seguida, aos borbotões. Nunca ouvira tamanha vaga de devassidão e luxúria! Sente-se tragado pelo redemoinho que o leva ao mais profundo desamparo, uma mistura de repulsa e compaixão. Arregala os olhos e pergunta: “Fez tudo isso minha filha? ” Em seguida, mal contendo a respiração e o próprio anseio, interroga: “Isto também? Como foi, conte em detalhes. ” Quase perdendo o fôlego, não consegue conter a exclamação: “Minha nossa! ” Por fim, se recompondo, lembra-se de dizer: “Eu te absolvo de todos os pecados, minha filha. Não volte a cair em tentação. Reze um rosário em louvor a Nossa Senhora e peça sua proteção. ”
Na volta para casa, recorda-se das primeiras aulas de culinária oferecidas pela Madrinha ao grupo pequeno de adolescentes, colegas de escola e vizinhas de rua. Com o tempo, todas se casaram e tiveram filhos, apenas ela ficou encalhada. Sentiu, por muitos anos, o menosprezo por não ser atraente, ter as canelas finas e o nariz desajeitado, embora fosse inteligente e engraçada, dona de impressionante imaginação e de dotes invejáveis para bolos confeitados, qualidade que desenvolveu até se tornar a mais famosa boleira da cidade. Por muito tempo, continuou assim, bem-sucedida na profissão, infeliz no amor. Sente-se tentada a avançar o sinal, diante de cantadas cada vez menos discretas, mas sempre reluta em ceder, temendo as más línguas. Finalmente, decide: “Vou dar, antes de a terra comer! Mas para nenhum homem de Santana. ”
Foi assim que teve a ideia das temporadas de duas semanas em Santos, no final de outubro ou começo de abril. Aprendeu a costurar para fazer os próprios biquínis, de cores vistosas e modelos diversos, do retrô Pin Up dos anos cinquenta, passando por comportados modelos floridos, até chegar às insinuantes peças de crochê ou ao despudorado fio-dental. Apesar das canelas finas, tem pernas longas e bem-feitas, seios pequenos e mantém a bundinha arrebitada e firme, a custo de exercícios diários. Aproveita as raras viagens a São Paulo para comprar modelos extravagantes de óculos escuros, perucas de diversas cores e comprimento, chapéus do tipo Floppy de aba grande ou modelo Paris de aba larga, outros de formato semelhante com lacinho preto ou de cores berrantes, além da coleção de cangas multicoloridas. Enfim, um arsenal de peças e apetrechos para torná-la a rainha da praia, irresistível aos olhos de estivadores vorazes ou de marinheiros famintos.
Volta regularmente a Santos, fora da temporada, reencontrando Antônio, que aos poucos vai se tornando o amor de sua vida, compartilhado em períodos imprevisíveis e igualmente felizes, com Christian, o marujo dinamarquês. Aprendeu e aperfeiçoou, com os dois, quase toda a dissertação do amor contida no Kama Sutra e novas posições, ensinadas ao marujo pelas jovens das ilhas polinésias, em noites estreladas e mornas de volúpia e lassidão. Foi deles a ideia de transformar o bangalô, na ponta da praia, numa casa de prazeres, comandada, na ausência de Zilah, por Felícia, parceira de inesquecíveis surubas, e administrada por Antônio, que deixou a dura profissão de estivador, depois do sucesso do novo empreendimento.
Zilhah aplicou os recursos da nova fonte de renda na compra de um terreno perto do atrás da igrejinha, o mais novo bairro residencial de Santana, de onde disfruta-se de uma relativa tranquilidade. Construiu no local um confortável bangalô, separado do enorme salão de festas pela piscina. A conhecida confeiteira e boleira transformou-se, em pouco tempo, na bem-sucedida empresária de festas de aniversário e de casamento. Decidiu se submeter a uma cirurgia corretiva do nariz. Aproveitou para engrossar levemente os lábios. Trocou os dentes tortos e amarelados, comprimidos pelo dolorido aparelho ortodôntico, por uma nova dentição, alva e brilhante.
Decide, com Antônio e Christian, trocar o antigo bangalô na ponta da praia por uma casa luxuosa para clientes exclusivos, ricos e famosos, numa rua discreta do Guarujá. O projeto vinha sendo acalentado há tempos, desde o momento em que o antigo marujo decidiu morar definitivamente no Brasil. Formam um trio fiel e alegre, no trabalho e na cama. Agradece a Deus todas as noites, desprovida de qualquer sentimento de culpa ou de pecado, pela felicidade de viver com os dois amores.
Ao descer do Jaguar cor de prata, um modelo antigo e icônico, esguia e elegante no conjunto de linho cor de palha, com o chapéu Paris de aba larga pendendo sobre os óculos escuros, Zilah causa admiração e desperta ciúme das antigas amigas, mulheres de peitos caídos, barrigas volumosas e ancas largas. Cumprimenta-as com um sorriso e meneio de cabeça, enquanto dirige-se ao banco para tratar de novas aplicações financeiras com o gerente. Na roda daqueles que sempre a desejaram, mas nunca desfrutaram do corpo cada vez mais atraente, um deles comenta, entre uma tragada e outra do cigarro que corrói os pulmões e compensa a frustração: “Ela deve aprontar muito nessas temporadas no litoral. Mantém em segredo para onde vai. Se soubesse, a pegaria de surpresa, currando-a ali mesmo na praia”. Ouve do amigo, em tom zombeteiro: “Você continuará comendo com os olhos e lambendo com a testa! ”