Romances que influenciaram a construção do principal personagem do Escrevo, Rebeca
Depois da lenta experiência em que vinha aprendendo a se situar no mundo da pequena cidade onde nasceu, um fato, em parte explicado e em parte encoberto, muda radicalmente o destino de Rebeca. Enviada às pressas e na calada da noite para a distante fazenda da tia, uma série de acontecimentos a levam a ver a nova realidade que passa a viver como expressão de um mundo mais amplo – o mundo dos homens – em que as mulheres podem pouco.
Influenciam nesta descoberta a observação do cotidiano na fazenda, a divisão de tarefas e do espaço entre homens e mulheres, a relação com Santinha, cuja trajetória a aproxima de alguma forma à sobrinha, e os romances que Rebeca passa a ler, sob recomendação da tia. São clássicos da literatura universal e da história do romance, que abordam em tempos históricos e sociedades diferentes a condição feminina. Será um rico aprendizado, que influenciará as escolhas da própria Rebeca. O primeiro desses romances é Anna Karenina, de Leon Tolstoi. Em seguida, lê As Relações Perigosas, de Chaderlos de Laclos; Madame Bovary, de Gustave Fluabert e, finalmente, Retrato de uma Senhora, de Henry James.
Anna Karenina e Rebeca
Abaixo seguem trechos do Escrevo porque te amo em que Rebeca compara os dois mundos, o de Anna e o seu.
“Rebeca senta-se no banco da varanda, onde repassa em pensamentos o longo dia. Ele revelara, com a sutileza de hábitos e costumes sedimentados, novas nuances da diferença entre mulheres e homens neste mundo de antigas tradições. Aos homens cabe o uso da força, o comando da morte, as experiências mais emocionantes da vida. As mulheres ficam com o trabalho miúdo que demanda diligência e nenhuma pressa. Seu tempo é ditado pelas tarefas que aquietam a vida, amordaçando-a numa persistente monotonia. (…)
Procura um paralelo entre a experiência que está vivendo e o romance que está lendo. Haveria algo em comum em mundos tão opostos? O do romance envolve personagens que se movem com vivacidade em busca ora de prazeres frívolos, ora do sentido da existência, numa sociedade em rápida transformação. Naquele em que está mergulhada, a vida arrasta-se com a lentidão e a monotonia de um mundo parado no tempo.
No primeiro, a felicidade parece depender de um jogo de movimentos que os personagens projetam ou perseguem, ou aos quais se entregam e submetem, ora ao ritmo animado de uma dança, ora ao tom de uma conversa de salão. Os sentimentos de ternura e amor, assim como de rancor e ódio, são tecidos numa engenhosa renda em que cada nó é atado com precisão. O desejo e a paixão insinuam-se na complexa trama de relações com uma força misteriosa e indomável, que brota das profundezas do coração e da alma, exigindo escolhas difíceis. Podem trazer a felicidade mais intensa e momentânea, ou provocar o mais duradouro dos infortúnios.
No segundo, a vida parece estacionada no tempo, pré-definida, sem alternativa e perspectiva de escolha. O destino está dado. Foi selado no ritual de poucas palavras de quem manda e no silêncio de quem se subordina. É um mundo essencialmente masculino onde as mulheres podem pouco. Seu comportamento é definido pelo código de sinais e gestos discretos, de palavras calculadas e expressões contidas. Devem cultivar a virtude e evitar o excesso. Sua vida e seus sentimentos são regrados pela parcimônia e pelo pouco. O dever sobrepõe-se ao prazer e o prazer da carne pertence aos homens. O que nominam de felicidade traduz-se na acomodação ao previsto e predestinado, em resignação às relações de mando, em conformismo e apego à religião. Teria saída para ela neste mundo tão restrito? Conseguiria encontrar um ponto de fuga deste cativeiro? ”
Rebeca e Madame Merteuil
O segundo romance que Rebeca lê em sua temporada na fazenda é Relações Perigosas, de Chaderlos de Laclos. Ela segue as marcações feitas pela tia, e eventualmente por leitoras anteriores, em que Madame Merteuil narra seu aprendizado, relativamente precoce, para superar a condição subalterna das mulheres na sociedade dominada pelos homens. A experiência narrada no livro, marcada por certo feminismo às avessas, lança um fio de luz para angustiada Rebeca, que enfrenta o dilema de romper o noivado com Leonardo para ficar com o primo Tiago, por quem se apaixonou.
“Santinha também procura atenuar o embaraço criado há pouco. Acaricia delicadamente o rosto de Rebeca, erguendo ligeiramente seu queixo até os olhos dela encontrarem os seus. “Tenho uma surpresa para você. Vejo que está prestes a terminar o romance. Este outro conta uma estória bem diferente. Foi também meu refúgio em momentos de solidão. Volto sempre a ele para buscar respostas para nossa condição feminina”. Rebeca pega o livro com curiosidade. Seus dedos percorrem, uma a uma, as letras do título gravado na capa envelhecida pelo tempo, enquanto o soletra mentalmente: As Relações Perigosas. (…)
Rebeca decide aproveitar as últimas horas da tarde para continuar lendo o último livro emprestado pela tia. Teve o cuidado de encapá-lo com papel pardo para não despertar a curiosidade. Deixa a varanda e caminha em direção à frondosa árvore metros à frente, no centro do gramado que separa o casarão da mata nativa. Senta-se à sombra do enorme pé de jatobá e encosta-se no seu tronco. No início, foi impactada com a narrativa direta sobre o jogo de sedução, conduzido sem nenhum escrúpulo, numa sociedade onde a conquista prevalece sobre qualquer sentimento, seguindo a estratégia de elaborados movimentos, ora dissimulados ora ostensivos, cujo desfecho geralmente expõe adversários e vítimas ao escárnio e estigma. Não pode negar sua admiração pela marquesa que soube, como nenhuma outra, sobreviver nesse mundo adverso para as mulheres, tirando proveito e explorando de forma inigualável a própria inteligência.
Retoma a leitura da Carta 81, onde descreve sua trajetória, observando cuidadosamente as marcações, feitas a lápis e quase apagadas pelo tempo, de passagens que haviam despertado o interesse de quem lera o livro. Teria sido Santinha ou Helena, a primeira mulher do Tio Augusto, cujo nome nunca é mencionado? “Sem dúvida ireis negar essas verdades que a evidência tornou triviais. Entretanto, se me vistes, por dispor dos acontecimentos e das opiniões, fazer desses homens tão temíveis joguete de meus caprichos ou de minhas fantasias, tirando a uns a vontade, a outros o poder de prejudicar-me; se eu soube, alternadamente, e segundo meu gosto movediço, prender a meu séquito ou repelir para longe esses tiranos que se tornaram meus escravos; se, no meio de suas frequentes revoluções, minha reputação se manteve pura, não deveis concluir daí que, nascida para vingar meu sexo e dominar o vosso, eu soube criar para meu uso meios até então desconhecidos”? (…)
Está entretida na leitura quando é surpreendida pela chegada inesperada de Tiago. “Vim mais cedo da roça para preparar a ida à cidade amanhã cedo. Vi você entretida com a leitura e resolvi conversar um pouco. Estou interrompendo”? “Não, claro que não”, responde quase que automaticamente, sem reação. Lembra-se, instantaneamente, da maneira como ele segurou suas mãos por mais tempo, com sorriso matreiro, quando brincavam na noite anterior de “passar anel”, depois do jantar. Sem que espere, senta-se ao seu lado, encostando o braço no dela e retirando o livro de suas mãos. “Deixa-me ver o que está lendo”. Observa o título da obra – As Relações Perigosas – e examina a passagem que Rebeca acabou de ler. Folheia o romance, detém-se em outra página, mais à frente: “Não tinha quinze anos e já possuía os talentos a que a maior parte de nossos políticos deve a reputação, embora fossem apenas os primeiros elementos da ciência que pretendia adquirir. … Estudei nossos costumes nos romances; nossas opiniões nos filósofos; procurei mesmo nos mais severos moralistas o que é que exigiam de nós, e certifiquei-me assim do que se podia fazer, do que se devia pensar e do que era preciso parecer”. (…)
Surpreso com o que acaba de ler, pergunta: “Onde encontrou este livro”? Titubeia, antes de encontrar a resposta adequada: “Desde quando te devo satisfação sobre o que leio”? Retoma o livro de suas mãos, num gesto de firmeza relativizada pelo sorriso. “Nem precisa! Já sei que foi minha madrasta. Para ocultar livros como este, não permite nossa entrada em seus aposentos”. “Os aposentos dela, como o seu quarto, são áreas privativas, ninguém entra sem permissão. Aprendi assim em minha casa”. “Sei disso e não é esta a questão principal. Não sei se ela tem o direito de te influenciar com essas leituras”. “A decisão de ler é minha. Você desconfia da minha capacidade de discernimento? Me considera assim, tão ingênua e influenciável”? “Desculpe-me. Não quis ser invasivo. Preocupo-me com você. Só isso”! Ela segura sua mão e ficam em silêncio por alguns instantes, deixando a tensão se dissolver na sensação terna e prazerosa de estarem, assim, tão próximos. “ (…)
Recolhida a seus aposentos, Rebeca não consegue conter as lágrimas, que chegam em profusão. Chegara ali, à fazenda Boitacá, com a vida destroçada e sem saber o rumo que ela tomaria. Sentiu-se abandonada pelos próprios pais, que agiram como cúmplices de sua tragédia. Fora traída por aquele a quem estava para se entregar como esposa. Só Deus sabe de onde reuniu forças para se erguer da lama onde fora atirada. Tiago surgiu nesse momento de sofrimento como um fio de luz, apontando noutra direção, onde a vida e a felicidade se entrelaçam naquela dimensão remota, reservada ao sonho. Quando está prestes a se reencontrar, a acreditar que a vida pode tomar outra direção, o destino a coloca diante de outra encruzilhada. Perderam sentido os argumentos, aparentemente fortes, que justificavam a decisão de romper o noivado. Mesmo que relute em aceitar, não consegue negar que se apaixonou por Tiago. Deveria ficar com Leonardo apenas por gratidão? Não seria um preço alto demais a pagar?”
Emma Bovary e Rebeca
Ao ler o romance emprestado pela tia – Madame Bovary – Rebeca sente forte empatia pelo personagem. A recusa de Ema à vida provinciana, marcada por valores tradicionais e costumes rígidos, de forte influência da religião a intriga, por ser uma história semelhante à sua. Lê o romance num momento decisivo de sua vida, em que está prestes a romper o noivado com Leonardo, por estar se apaixonando pelo primo Tiago. Um fato, inesperado, revelado na carta enviada por Leonardo, abala a decisão que estava prestes a tomar.
A paixão por Tiago cresce nesse momento de dúvida e angústia. No entanto, ela resiste em entregar-se plenamente a essa relação, embora anseie por essa entrega, enquanto continua a leitura do romance. A liberdade e ausência de culpa ao trair o marido fazem de Emma um personagem intrigante. A transgressão incomoda e atrai Rebeca, criado entre as duas um elo perturbador:
“Acorda tarde na manhã seguinte e resolve permanecer no quarto. Abre a janela, recosta-se na cabeceira da cama e retoma a leitura do romance. O interesse por Emma vem se tornando mais forte, à medida em que acompanha sua trajetória. A frustração com a relação amorosa insípida, longe de lhe dar prazer e de responder a seus anseios, e o cotidiano não menos entediante, dominado por longos momentos de solidão e desesperança, dão um retrato amargo do que pode ser o casamento demarcado pela tradição e costumes de uma sociedade provinciana, onde anseios contam pouco. Não seria tudo isso que ela, Rebeca, deveria evitar?
Surpreende-se com a naturalidade, que desconhece qualquer sentimento de culpa, com que ela se entrega ao amante e planeja separar-se do marido traído. Como interpretar o que se passa com a misteriosa Emma? Essa ausência de sentimento de culpa significa a rejeição de valores morais prescritos pela sociedade, reforçados pela religião, ou revela o esboço de um código de conduta onde a realização pessoal e a livre escolha prevalecem sobre qualquer outro princípio? Difícil encontrar resposta na mulher que não se revela totalmente. O véu com que encobre o rosto deixa impenetrável sua alma. Mas talvez esteja aí uma pista para que ela, Rebeca, prossiga na própria busca.
Fecha-se no quarto para ler com tranquilidade o romance que vinha despertando cada vez mais seu interesse. Não se surpreende com a artimanha usada por Emma para permanecer em Rouen, depois de ter reencontrado o jovem com quem havia tido, no passado, uma relação passageira. Delicia-se com a passagem em que ela freia o impetuoso visitante, dissimulando seu anseio com prudentes escusas, para logo se render à expectativa do reencontro, marcado para a manhã seguinte. Acompanha os passos de Léon e sua ansiosa espera no interior da catedral. “Ela ia chegar dentro em pouco, encantadora, agitada, espiando atrás de si os olhares que a seguiam… A igreja, como um toucador gigantesco, dispunha-se ao redor dela; as abóbodas inclinavam-se para recolher na sombra a confissão do seu amor, os vitrais resplandeciam para iluminar seu rosto”.
Compartilha seu desconforto ao ter que ouvir as informações do guia – “Esta simples laje recobre Pedro de Brézé, Senhor de Varenne e de Brissac … esta mulher que chora, de joelhos, é sua esposa, Diana de Poitiers ” – quando seu desejo aponta noutra direção. “Aonde o senhor deseja ir? …. Onde você quiser, disse Léon empurrando Emma para dentro da carruagem”. Acompanha as ruas, praças e paisagens que a levam a imaginar o que acontece no interior do veículo: “E a pesada máquina pôs-se a caminho. … foi andando ao longo do rio… lançou-se como um salto através de Quatremares… vagabundeou ao acaso…” Como não se deixar seduzir pela belezada cena final? “Uma vez, pela metade do dia, em pleno campo, no momento em que o sol dardejava seus raios com maior força contra as velhas lanternas prateadas, uma mão nua passou sob as pequenas cortinas da fazenda amarela e lançou pedaços de papel, que se dispersaram ao vento e caíram mais longe como borboletas brancas num campo florido de trevos vermelhos”.
Rebeca e Isabel
O Retrato de uma Senhora foi escrito por Henry James em 1881. A história do romance nesse século foi marcada, a partir da publicação de Madame Bovary, de Gustave Flaubert, por personagens femininos complexos que ousam a transgressão do adultério, rompendo com os padrões da ordem burguesa. Isabel, o personagem construído por James, distingue-se por percorrer uma trilha que se assemelha a um jogo em que “cada coisa se transmuta no seu oposto: liberdade em destino, afeto em traição, pureza em artimanha – e vice-versa”.
Isabel tem condições de reconstruir sua vida na Inglaterra em condições invejáveis, ou de voltar para a América ao lado daquele que sempre a amou. No entanto, continua indecisa, inexplicavelmente atada à sorte que parece se impor sobre a livre escolha. Sua angústia é devassada pelas palavras do antigo pretendente: “Entendo tudo: você tem medo de voltar. Está completamente só; não sabe para onde se voltar. Não tem para quem se voltar; sabe disso muito bem”. Para além da solidão, um véu de mistério encobre o rosto do personagem, enigma não desvendado, razão do fascínio que continua a exercer na imaginação do leitor.
Rebeca lê o romance num momento particularmente dramático de sua vida, em que ainda hesita em romper com Leonardo para ficar com Tiago, o primo por quem se apaixonou. Ao contrário de Isabel, ela faz a escolha que a lança num futuro incerto, imponderável, motivo de sua contínua angústia, preço a ser pago por sua liberdade:
“Rebeca volta para a varanda depois do café da tarde. Fica ali, sozinha, observando a paisagem. Ainda está quente e vai demorar para o sol baixar, por detrás da colina de mata cerrada. Aprecia o contraste entre o verde-cana do extenso gramado e o verde escuro da copa das árvores. Percebe, aqui e ali, o tom nuançado da folhagem de uma árvore que se sobressai naquele paredão verdejante que protege a sede da fazenda, isolando-a do mundo. Do lado direito da imensa clareira, pés de ipês bordejam a mata, como sentinelas. Florescem na época da estiagem. Tiago contou que os ipês rosas são os primeiros a ficarem desfolhados, para logo depois se cobrirem de tufos arredondados de flores. Em seguida vêm os ipês brancos e os amarelos. Foram plantados a pedido de sua mãe. São lembranças que deixou para trás, como testemunhos de seus poucos momentos de felicidade. Todos os anos, cobrem-se do manto de flores para alegrar uns e amargurar outros com as lembranças que evocam.
“Percebo que gosta de observar a paisagem. Incomoda-se de me sentar perto de você para conversarmos um pouco”? É Santinha, que chegou de repente. “Claro que não, fique à vontade! Me alegro de ter alguém para conversar”. Puxa para perto da sobrinha a pequena poltrona, feita de galhos de cipó pelo irmão Lincoln. “Quando a vi atravessando o arco de troncos e ramagens que separa a mata da sede da fazenda, me lembrei do dia em que cheguei aqui, ainda adolescente. O infortúnio me pareceu o primeiro elo a me ligar a você. No fundo do coração, sentia que devia protegê-la, para não sofrer como eu. Percebo o quanto seu destino, embora feito de trilhas diferentes, se aproxima do meu. Também gosto de observar essa paisagem, a passagem de mata que separa e une dois mundos. A vida também é assim, em parte descoberta, em parte misteriosa”. “Me trouxe outro livro”? “Sim, acho que retrata mais um dos elos que nos aproximam”. “Fiquei curiosa”, diz enquanto examina o título na capa envelhecida: Retrato de uma senhora. (…)
Acende a luz do abajur, recosta-se na cabeceira da cama e retoma a leitura do livro. “Não consigo, de verdade mesmo, vê-lo como companheiro para a vida toda, ou pensar em sua casa – ou suas várias casas – como o lugar estabelecido para minha existência. … Vemos nossa vida do nosso próprio ponto de vista; esse é o privilégio do mais fraco e humilde de nós; e não conseguiria jamais ver minha vida do modo que me propôs”. A recusa de Isabel em aceitar o pedido de casamento feito por lorde Warburton, um dos herdeiros mais cobiçados da sociedade inglesa, a incomoda profundamente, talvez por não ter certeza se teria a mesma coragem e determinação para desfazer o noivado com Leonardo. Precisa reunir todas as forças para enfrentar o dia seguinte, que se anuncia como um dos mais decisivos de sua vida. (…)
Aproveita as horas da tarde para terminar de ler o romance que havia deixado de lado nos últimos dias. A leitura ajuda, por algumas horas, a esquecer seu tormento. Gostaria de encontrar no retrato do personagem principal algum traço que pudesse iluminar o seu, pincelado sem muita condescendência pelo destino. Sabe que deve enfrentá-lo sem autocompaixão e com a teimosia de quem não se entrega fácil. Essa convicção a aproxima ainda mais de Isabel no momento em que se despede do primo agonizante e é questionada sobre a mais crucial decisão de sua vida.
“A voz dela estava tão embargada como a dele e cheia de lágrimas e angústia. (…)
– Não vai perder-me, vai conservar-me. Guarde-me em seu coração – estarei mais perto do que jamais estive. (…) Vai voltar para ele?
– Não sei; ainda não posso saber”.
Coloca o livro sobre a mesinha e entrega-se aos pensamentos. Em momentos como esse, é melhor ter dúvida do que certeza. No entanto, suas últimas incertezas aparentemente haviam se dissipado. Já havia colocado na balança todas as fichas a favor e contra manter o noivado com Leonardo. Ele propôs uma trégua, ao perceber sua determinação de romper o compromisso. Quis ganhar tempo naquele momento em que sabia estar pisando em terreno minado. Deve estar buscando os meios para reverter a situação. A oferta da tia a colocou numa posição de suposta vantagem, mas Tiago apontou o quanto esse arranjo é frágil. Sente-se insegura e aguarda com ansiedade o retorno do primo. (…)
Recorre mais uma vez à leitura para se livrar, momentaneamente, das preocupações. A insegurança diante da necessidade de decidir sobre o rumo da própria vida a aproxima de Isabel. “Vivia cada dia adiando, fechando os olhos, tentando não pensar. Sabia que tinha que tomar uma decisão, mas nada decidia; sua própria vinda não fora uma decisão”. Depois de desapontar novamente um dos antigos pretendentes, um partido cobiçado, acaba sendo surpreendida pelas palavras de outro, que insiste em ficar com ela: “Entendo tudo: você tem medo de voltar. Está completamente só; não sabe para onde se voltar. Não tem para quem se voltar; sabe disso muito bem”. Neste ponto Rebeca sente que se distancia do personagem. Sabe com quem ficar, não tem mais dúvida. No entanto, compartilha seu medo, o de desconhecer o próximo passo, o do momento decisivo. Teme pelo imponderável, não saber o que a espera. Lê com sofreguidão as últimas páginas. Surpreende-se com o desfecho, uma história em aberto, sem ter compreendido porque Isabel voltou para o detestável marido. E se pergunta: “Uma explicação seria mesmo necessária”?
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