A semana que passou foi excepcionalmente mais longa, do ponto de vista político, estendendo-se, num clima de crescente tensão, até o 7 de setembro. As manifestações políticas ocorridas no dia, com pauta antidemocrática, foram preparadas durante dois meses pelo governo, usando recursos públicos.
Bolsonaro precisava das manifestações para romper o isolamento político, fazer uma demonstração de força e repaginar sua estratégia. Precisava igualmente das imagens de praças e avenidas tomadas pela multidão que apoia o ataque à democracia – volta dos militares com Bolsonaro no poder, fechamento do Congresso e do STF – para legitimar seu projeto autoritário, sustentado pela consigna: “Supremo é o povo”.
As manifestações foram expressivas, mas ficaram longe dos 2 milhões de pessoas esperadas na Avenida Paulista. Reuniram em várias capitais os setores que o apoiam incondicionalmente – evangélicos, ruralistas, policiais, militares, caminhoneiros, monarquistas e ativistas em geral, que têm em comum o apoio à reeleição de Bolsonaro e o repúdio à volta da esquerda ao poder, representada pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) – e que atingem cerca de 25% da população. Não mais do que isso, apesar de ser uma base significativa. Longe, no entanto, da ideia de maioria que pretende transmitir à sociedade e ao mundo.
Houve manifestações contrárias em 21 das capitais e em cerca de 70 cidades do interior, seguindo a tradição do Grito dos Excluídos. Apenas a de São Paulo, realizada no Vale do Anhangabaú, foi representativa.
Em Brasília, manifestantes romperam barreiras de isolamento e ocuparam a esplanada dos ministérios na noite anterior, sem que a Polícia Militar opusesse resistência. Bolsonaro chegou ao local, na manhã seguinte, com pompa e circunstância, no Rolls Royce presidencial dirigido por Nelson Piquet. Cenas transmitidas na televisão mostravam embarcações da Marinha fazendo manobras no Lago Paranoá, enquanto soldados da Aeronáutica usavam cordas para descer de helicópteros, tomar o espaço dos gramados, portando e apontando fuzis e metralhadoras.
Bolsonaro aproveitou as manifestações de Brasília e de São Paulo para reafirmar o discurso anti-sistema, apesar de ter recorrido à aliança com o centrão e à troca de favores para sobreviver politicamente. Reiterou a proposta do voto impresso, apesar de já ter sido reprovada pelo parlamento. Atacou o Supremo e personalizou esse ataque ao ministro Alexandre de Moraes, que abusa do poder e descumpre a Constituição para perseguir o presidente e a seus apoiadores. Disse defender a liberdade, enquanto atacava pilares da democracia. Informou que não acatará as decisões do judiciário e convocará o Conselho da República, provavelmente para exigir o cumprimento das palavras de ordem exibidas nas manifestações a seu favor. Pergunta-se: através do Estado de Sítio? Por fim, ameaçou: só deixará o poder morto ou se Deus assim o quiser, pois os “canalhas” jamais o prenderão. Um discurso tosco, truncado, aclamado pela multidão mais tosca ainda, que gritava ensandecida: “Mito! Mito”! Liberdade! Liberdade! No meio da multidão, as palavras de ordem não eram menos confusas, do tipo: “Presidente Bolsonaro e Forças Armadas, salvem nossa democracia”.
Segundo analistas, existe uma “racionalidade” neste conjunto de ações aparentemente irracionais. “No golpismo de Trump e do caudatário Bolsonaro, a convulsão pode ser vista como o trampolim para o golpe, sendo menos provável converter-se em golpe, propriamente”. Está na hora de deixar de ver as ações de Bolsonaro como arroubos e seus ataques à democracia como bravatas: “Não é nem uma coisa nem outra, são etapas de um cronograma de um golpe. Vamos parar de usar palavras inadequadas”.
Ao explicitar a afirmação, Marcos Nobre afirma: “É preciso deixar claro o seguinte: desde que se apresentou como candidato, o objetivo de Bolsonaro é dar o golpe. Há três caminhos para isso: a via eleitoral pura, um golpe antes da eleição e um golpe combinado com a eleição. É claro que o golpe pela vitória eleitoral seria mais simples para ele, mas, não tendo esse, há as outras duas opções, dependendo de como ele continuar. E ele continua muito bem posicionado para realizar qualquer um desses três caminhos. Mesmo depois de tudo o que ele fez e com o país na situação em que está, Bolsonaro tem o apoio de um quarto do eleitorado”.
Segundo o mesmo analista, o campo democrático erra ao tratar a questão apenas na perspectiva eleitoral: “A questão dele, portanto, é dar o golpe. O problema é o desequilíbrio entre esse projeto dele e o campo democrático brasileiro, que continua fazendo cálculos meramente eleitorais. O campo democrático joga amarelinha enquanto o Bolsonaro está montando um octógono de MMA, essa é a diferença. O campo democrático só pensa em termos eleitorais; para Bolsonaro, não existe esse limite”.
Resta saber o que acontecerá no dia seguinte. Bolsonaro convocará mesmo o Conselho de Segurança? Como reagirão os representantes dos demais poderes e os partidos políticos? O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, já se manifestou de véspera: “Ao tempo em que se celebra o Dia da Independência, expressão forte da liberdade nacional, não deixemos de compreender a nossa mais evidente dependência de algo que deve unir o Brasil: a absoluta defesa do Estado Democrático de Direito”.
Lula foi enfático: “O 7 de setembro é um dia de compartilhar nossas conquistas: a melhoria da qualidade de vida e o crescimento que colocou o Brasil entre as seis maiores economias do mundo. Mesmo nos momentos difíceis era o dia de levar uma mensagem de fé e esperança na construção de um país soberano e mais justo, um Brasil verdadeiramente independente”,
O presidente da Câmara, mais próximo de Bolsonaro, ausentou-se do cenário político. Continuará considerando os graves ataques de Bolsonaro à democracia apenas mais uma bravata? O que esperar de Aras? Os ataques a Alexandre de Moraes serviram para fortalecer a coesão dos membros do Supremo. É o que se espera do próximo pronunciamento de Fux. Gilberto Kassab, presidente do PSD afirmou que pode apoiar o impeachment se a escalada de Bolsonaro contra a democracia continuar. O MDB recomendou a seus quadros que ocupam cargos no governo que desembarquem. O PSDB convocou reunião para tomar posição. Partidos do centrão consideram inevitável o desembarque do governo no próximo ano.
Olhando desta perspectiva, as manifestações de 7 de setembro podem ter sido um tiro no pé de Bolsonaro. Teriam contribuído para aumentar seu isolamento político. Parte de suas bases pode ter estranhado a confusão e tibieza do capitão, de quem acabaram não recebendo a palavra de ordem para invadir e ocupar o Supremo e o Congresso. Não fora para isso que haviam sido convocados? Ou tratou-se de mais um ensaio geral do ato decisivo, projetado mais para a frente?