Semana de 28 de maio a 03 de junho/2023
O principal fato internacional na semana passada na mídia brasileira foi a reunião com governantes sul-americanos, promovida por Lula na terça (30). Foi precedida pela recepção a Maduro, um dia antes. Reatar as relações diplomáticas entre os dois países e buscar meios para que o país vizinho comece a pagar a dívida com o Brasil foi um dos objetivos da iniciativa., que também foi vista como um passo importante para reintegrar a Venezuela no convívio dos demais países do continente Trata-se da solidariedade a uma nação penalizada pela política de embargo e sansões econômicas impostas pelo governo norte-americano que sufoca a economia e condena a maioria da população à miséria. Nada mais oportuno do que gesto em defesa de eleições limpas e transparentes no país vizinho no futuro próximo.
Porém, o que despertou a crítica dos presidentes do Chile e do Uruguai e da mídia nativa foi o fato de o presidente Lula ter equiparado o repúdio ao regime político em vigor na Venezuela, inequivocamente ditatorial, a mera narrativa, a uma versão dos fatos. Há um risco nessa interpretação: a guerra de narrativas – a ideia de que não há fatos, não há a régua da realidade, só versões em competição – foi o discurso recorrente da extrema direita nas redes sociais para justificar o desvario autoritário de Bolsonaro.
Intitulado “Consenso de Brasília”, o documento assinado pelos líderes no encontro destaca a retomada de diálogo dos países da região e a cooperação no enfrentamento de problemas atuais, como a crise climática e a segurança internacional. Os países defendem ainda que a região deve estar “comprometida com a democracia, os direitos humanos, o desenvolvimento sustentável e a justiça social”.
São objetivos estratégicos corretos, que colocam desafios complexos, se levarmos em conta a história recente. Segundo a cientista política Maria Hermínia Tavares, a sonhada integração dos países sul-americanos fundou-se em três pilares: “a integração comercial por meio do Mercosul; a integração física com a Iirsa (Integração da Infraestrutura Regional Sul-americana) e a concertação política com a Unasul (União de Nações Sul-americanas). Seus objetivos, fomentar o comércio inter-regional, adensar as conexões das redes de transporte e energia e manter a paz, o diálogo e certa autonomia frente aos Estados Unidos”.
De acordo com a pesquisadora, “os resultados, porém, decepcionaram: além de crescer pouco, os fluxos intrarregionais perderam importância para as trocas de cada país com a China; faltaram recursos para projetos de infraestrutura plurinacionais; e, para mal dos pecados, a entrada de empresas brasileiras de construção pesada na vizinhança produziu grandes escândalos de corrupção”.
Tratando-se de política, não existe receita para enfrentar os desafios colocados pelos líderes sul-americanos. Mas talvez seja possível ouvir conselhos: “Reconstruir um fórum de diálogo dependerá assim de evitar o que a inviabilizou e de buscar o que pode tornar relevante uma nova iniciativa de concertação. Fazer dela um espaço onde caibam todos os Estados, sejam quais forem as orientações políticas dos respectivos governantes de turno, é a primeira providência. Transformá-la em arena de discussão de temas regionais importantes e unificadores deve-se lhe seguir de perto. Finalmente, numa zona de periódicas turbulências políticas, será crucial criar incentivos para que seus membros respeitem as regras democráticas”. O processo é longo e espinhoso. À título de exemplo, é bom lembrar que foram necessários cerca de 50 anos de negociação e acordos para se chegar à constituição da União Europeia e à adoção do Euro como moeda comum.
No plano nacional, o governo Lula enfrentou a primeira crise com o Congresso, com os deputados ameaçando, sob a batuta de Lira, deixar caducar a MP dos ministérios. Caso isso ocorresse, Lula seria obrigado a aceitar a estrutura ministerial do governo anterior. Algo inimaginável para um governo de apenas cinco meses, que seria condenado à situação de “pato manco” para o resto do mandato.
Para entender a crise, é necessário recuar um pouco no tempo. Para construir a governabilidade, Lula fez concessões a partidos de direita, cedendo-lhes ministérios e cargos no governo, em autarquias e empresas estatais. Passou a conviver como “novo Centrão”, fisiológico como sempre, especializado na política do “toma lá, dá cá”, mais dividido, com partidos nem sempre dispostos a se submeterem a acordos, como o União Brasil. Saudosos das benesses do passado, os partidos do Centrão alinham-se a Lira na disputa com o governo pelo controle do orçamento e por maior influência no executivo.
A primeira queda de braços se deu durante o processo de transição, por ocasião da negociação da MP visando assegurar recursos para os programas sociais, como o novo Bolsa Família. Na época, o Supremo julgou ilegal o “orçamento secreto”, pelo qual Lira mediava a distribuição de recursos do orçamento via emendas de relator. Esse sistema foi avaliado por entidades internacionais como o mais grave e amplo sistema de corrupção jamais existente no Brasil e está sendo objeto de investigação.
Ao ser eleito com o apoio do governo com um número inédito de votos, Lira se fortaleceu e continuou pressionando o governo pela liberação de emendas para aprovar projetos na Câmara e para ampliar sua influência no executivo (cargos nos ministérios). Chegou a dizer, várias vezes, que o governo não tinha votos para aprovar projetos por maioria simples.
A disputa ficou mais evidente por ocasião da votação do projeto de lei visando alterações no marco do saneamento, quando o governo foi derrotado. Na sequência, e para evitar nova derrota, o governo retirou de votação o projeto para regular as redes sociais.
Lira foi o principal responsável pelo adiamento da votação das MPs, enviadas ao parlamento no início de fevereiro. Usou as rusgas com o Senado sobre a composição das comissões mistas para atrasar a votação. Nesse meio de tempo, partidos do Centrão articularam o esvaziamento dos ministérios do Meio Ambiente, dos Povos Indígenas e da Agricultura Familiar. As mudanças na MP que reestrutura os ministérios foram avaliadas como derrota do governo na área ambiental e uma vitória da bancada ruralista. Os deputados foram além, sob a batuta de Lira: anteciparam a votação do marco temporal e aprovaram o projeto que favorece o desmatamento no bioma da Mata Atlântica. As iniciativas foram vistas como mais um recado ao governo.
A queda de braços entre as “viúvas do orçamento secreto” e o governo virou um cabo de guerra no dia 31 de maio, na véspera de caducar a MP que estrutura os ministérios. Lira emparedou o presidente: já não se tratava mais de aceitar o projeto que mantinha todos os ministérios, esvaziando alguns, a MP poderia simplesmente não ser votada, resultando na volta da estrutura anterior, com 17 ministérios a menos. Em conversa recente com Lula, chegou a sinalizar, indiretamente, a demanda de ministério para seu partido, o Progressistas (que entrega mais votos que o União Brasil).
Lula entrou em campo, negociou a liberação de emendas, ouviu as reclamações em relação à articulação política do governo no Congresso. A MP foi finalmente aprovada com ampla margem de votos. Mas a crise com o Congresso está longe de ter sido resolvida. Envolverá um freio de arrumação que levará a uma repactuação com partidos do Centrão e uma reorientação da articulação política do governo no parlamento.
Notícias boas chegam da economia. O crescimento do PIB no último trimestre foi além das expectativas (1,9%) puxado pelo desempenho excepcional da agropecuária (21,6 %). A inflação está com tendência de queda (em abril, o IPCA acumulado nos últimos 12 meses foi de 4,18%), o desemprego também diminuiu (ficou em 8,8% no primeiro trimestre). Segundo pesquisadores, será possível retirar 8,5 milhões de famílias da situação de pobreza nos próximos meses, algo em torno de 20 milhões de pessoas. Os preços dos combustíveis tiveram leve queda.
As notícias são ruins para Bolsonaro. O TSE deverá julgar em breve uma das 16 ações que o poderá tornar inelegível. O cerco também começa a se fechar em torno de Moro. As recentes denúncias de Tony Garcia o deixaram em situação delicada. A fila anda: Collor foi condenado a prisão e Crivella teve o mandato cassado.